A prevalência da Família monoparental em Cabo Verde...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

 

   Escrevo estas linhas com uma certa tristeza e muita preocupação com a falta, a ausência de organização familiar que vai por estas ilhas.

1-    Li com alguma surpresa, em estatísticas nacionais, as últimas, (2018) que cerca de 800 crianças se encontram registadas sem o nome do pai.

Sem nome do pai? Então foram registadas como? filho de “pai incógnito?”... de “pai desconhecido?”  “de pai não assumido?” “de pai desleixado?”... Como terá sido lavrado o registo de um nascimento assim, em pleno século XXI? ... mas não está sob forma de lei que toda a criança registada tem de ter pai e mãe com assento no registo?

Teremos regredido? E tudo isso a acontecer em Cabo Verde, país independente há mais de quatro décadas? Quem são os responsáveis por este descalabro que envolve o futuro de uma criança inocente? De um ser que viverá com o estigma do conhecimento  do desprezo a que o pai o votou?

2-    As últimas estatísticas espelham a organização da família cabo-verdiana, e esclarecem que cerca de 80% dos nascimentos no século XXI, em Cabo Verde são de pais solteiros. Solteiros?...Nem União de Facto??

 Logo, de família monoparental, (leia-se: mãe, mulher sózinha, sem ajuda do pai das crianças) disfuncional e pobre, antevendo-se já e infelizmente, o cortejo de problemas sociais e económicos que tal situação normalmente acarretará.

3-     As últimas estatísticas informam-nos também de que apenas 6,8% de crianças vivem com os “progenitores legalmente casados.” Um facto  que devia ser excepção, é a regra. Ou seja, apenas 6,8% das crianças nascidas em 2018 vivem com o pai e a mãe presentes em casa a cuidar delas.

A minha questão é a seguinte:

Como falar de sociedade organizada, desenvolvida, educada se grande parte das crianças nem Lar, sim um lar! Conheceu?  A presença parental, com tudo de bom que isso implica no desenvolvimento, na segurança e na educação de uma criança, é fundamental.

Que cidadãos estaremos a formar em Cabo Verde, se nem foram criados em ambiente normal?

Irão replicar o mau exemplo experimentado e vivenciado por eles próprios?

Que modelo social para este país?

A organização familiar, núcleo e célula básica de qualquer sociedade minimamente organizada, espelha bem, e nela se pode medir e inferir o grau de desenvolvimento de um país.

Não tenhamos ilusões, por melhor que se queira governar, muito pouco se consegue com cidadãos que não tiveram bases socializantes e educativas em família nuclear normalmente constituída. Pode parecer de “La Palice” mas não em Cabo Verde, infelizmente.

Atenção, não se veja nisso uma crítica apenas dirigida ao governo actual. Se culpas existem - e creio que existem - são de todos os Governos de Cabo Verde, de toda a Justiça e do todo o Parlamento cabo-verdiano  (1975-2021) este último, o Parlamento,  legislador por excelência que nada fez, nada faz para alterar este estado de calamidade familiar de continuadas  e de maléficas repercurssões na nossa sociedade.

A  prosseguir esta desorganização familiar e, se nada se fizer para a alterar, não se admirem pois, do retrocesso social e económico que se tornará doravante, o “rosto” do país em que vivemos.

Recordo-me que na década de 90  do séc.XX (com  oportunidades democráticas em fase inícial, e até com o apoio da Igreja) propostas houve de se desenvolver com maior visibilidade e eficácia, a vertente do Projecto Planeamento Familiar que já existia em Cabo Verde e estava  à epoca, sob tutela da Saúde e da Promoção Social. Que podia ser plenamente desenvolvida. Até tinhamos na altura, bons exemplos de países arquipelágicos como as Maurícias e as Seychelles  que conseguiram com êxito, dar a volta certa ao problema. Ainda que com medidas aparentemente “duras,” mas sempre na perspectiva da defesa dos direitos e da segurança da criança trazida ao mundo.

Infelizmente,algumas vozes dentro do próprio Governo minimizaram a questão ou, mesmo a ela se opuseram, dizendo  que se tratava de um “falso problema” a questão da alta taxa de natalidade precoce, na camada populacional pobre e de pouca escolaridade; dos meninos na rua, e ao Deus dará! Da delinquência infanto/juvenil que poucos anos volvidos inquietava todos e que transformou os nossos meios urbanos em lugares altamente inseguros.

Os governos subsequentes (2000-2021) também nada ou, muito pouco fizeram neste capítulo, para obstar o aumento de tão grave problema social.

Sei que os parceiros sociais, a sociedade civil, a própria cidadania de cada indivíduo, têm-se revelado muito pouco intervenientes nestas questões, preferindo deixar tudo nas mãos do Governo. O que é errado.

 Daí que chegados ao século XXI, a situação da organização familiar em Cabo Verde e, mais concretamente, nas camadas mais vulneráveis – de pouca escolaridade, de pouco rendimento económico, de família monoparental, leia-se: família suportada pela mãe apenas e de pai ausente e, as mais das vezes, irresponsável – é de verdadeira calamidade social.

Não admira pois, o que rezam as estatísticas nacionais sobre a Família. Que tristeza! Que sociedade futura?...

Temos de ser pró-activos nesta matéria. Nada se resolverá de “per se”. Tem de haver instituições que com isso se preocupem activamente.

Terá de existir legislação dirigida especificamente a tão grave e estruturante problema social.

Ora bem, uma sociedade em que impere a desorganização familiar não pode aspirar ao progresso e à cidadania.

Muito gostaria de deixar aos meus (nossos) netos uma sociedade menos desequilibrada, socialmente melhor organizada, com a família nuclear composta de pai e mãe presentes e comprometidos através de laços mais sérios, no sustento e na educação dos filhos, conscientemente desejados.

 

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