quinta-feira, 29 de abril de 2021

 

Salvé o Dia da Cidade da Praia!

- 29 de Abril -

Em boa hora se regressou à História que nos conforma enquanto comunidade, e se repôs a data comemorativa da elevação da Vila de Santa Maria à Cidade da Praia. Tudo aconteceu neste dia, 29 de Abril, mas do ano de 1858.

 Mas recuemos três anos, em 2018, quando a edilidade da Praia numa feliz iniciativa, comemorou a data de 29 de Abril, em intenção do 29 de Abril de 1858, e os 160 anos da cidade, capital do país, escrevi aqui um texto a propósito da figura do Marquês de Sá da Bandeira.

E porque vem a propósito, passo a transcrever excertos do aludido Artigo que também foi publicado num número do Jornal, «Expresso das Ilhas»

Mas antes,convinha também lembrar, que não foi só por esse acto que Sá da Bandeira ganhou merecido relevo na História de Cabo Verde. Ele foi protagonista em vários actos fundadores, ou fundantes, quer da Administração, quer da Educação destas ilhas.

Eis os excertos do texto então publicado: 

“ (...) Pois bem, será exactamente na função de Primeiro – Ministro, tanto de D. Maria II, como do rei D. Luís – e Sá da Bandeira exerceu o cargo por várias vezes, com intervalos - que a cidade da Praia em particular e Cabo Verde no seu todo, devem lembrar o perfil desse estadista.

Vamos aos factos, é Sá da Bandeira quem assina o decreto régio em Abril de 1858, que eleva a Vila de Santa Maria à categoria de cidade, Cidade da Praia.

É também ele, Sá da Bandeira quem assina o decreto régio de 1869, que instituiu  em todas as partes do império português, a abolição da escravatura.

Não admira pois, que a cidade da Praia, logo que erigida a tal, lhe houvesse atribuído o nome, à artéria principal da urbe - rua Sá da Bandeira - que os moradores da cidade bem se recordam antes da independência. Hoje avenida Amílcar Cabral. Embora cause estranheza que a Câmara e a Assembleia Municipais da Praia nos anos noventa do século XX, - as primeiras eleitas, por votos dos munícipes -  ao recolocarem os nomes antigos das artérias da cidade da Praia, não  tivessem recolocado o nome de Sá da Bandeira, em nenhuma rua ou avenida da cidade, capital de um Arquipélago,  pelo qual, ele teve um cuidado especial que adiante referirei.

Mas minha gente, nunca é tarde para uma boa reparação, a altura é propícia para que a toponímia das artérias da cidade da Praia, agora nas comemorações dos seus venerandos 160 anos como cidade, retorne a Sá da Bandeira o que merece Sá da Bandeira, isto é, o seu nome numa nova e boa artéria da urbe praense ou, porque não, num refrescante jardim ou espaço verde, de que tanto necessita a nossa cidade?!

Creio que a cidade do Mindelo guarda um busto de Sá da Bandeira, numa das praças da cidade... terei de perguntar isso ao Historiador Joaquim Saial que é quem melhor conhece e quem mais estudou a estatuária pública de Cabo Verde.

Para exemplificar o que atrás disse sobre o cuidado especial que Sá da Bandeira teve com Cabo Verde, transcrevo uma nota interessante, encontrada no romance histórico «Mulheres de Pano Preto» de A. Ferreira, edição de 2015, página 172, e que diz o seguinte: “ (...) Já no século XIX, o abolucionista Sá da Bandeira, em 1836, advoga para Cabo Verde um estatuto (diferenciado) de “distrito administrativo” que fora ignorado, ao que na altura se justificou, por questões meramente financeiras (...)”.

Convém igualmente recordar que a assinatura de Sá da Bandeira esteve presente nos actos fundantes ou fundadores e mesmo nos actos das primeiras reformas da Instrução Pública nas ilhas de Cabo Verde; e até no da criação do célebre e prestigiado, Seminário-Liceu da ilha de São Nicolau, em 1865, a funcionar a partir de 1866. Isto é notável.

Ora bem, a primeira grande remodelação ou ampliação do sistema  do ensino público nas ilhas, aconteceu em 1869 - sendo Sá da Bandeira, Primeiro-Ministro do reino – com a criação do ensino secundário, cujo programa integrava o estudo do Latim, Francês, Inglês, Filosofia Racional, Matemática e Rudimentos Naúticos. É também dessa data a criação do Liceu da Praia.

Por tudo isto, a cidade da Praia agora vetusta (160 anos) a comemorá-los e bem, com actividades, culturais e recreativas para marcar o dia da cidade, (29 de Abril) vai a tempo de reparar esta grande falta de reconhecimento a este homem, Sá da Bandeira, que tanto fez para que a então Vila de Santa Maria, alçasse à Cidade da Praia.” Fim de transcrição.

Torna-se interessante, aproveitar esta ocasião para  também aqui publicar o comentário feito na ocasião, pelo Historiador Joaquim Saial, alguém que muito estudou e quem melhor conhece, a estatuária pública das ilhas de Cabo Verde. Disse ele o seguinte:

“Excelente artigo de Ondina Ferreira (mais uma vez), onde foca a figura deste grande militar liberal, a quem Cabo Verde tanto deve. Tenho nos últimos tempos lido (e divulgado) muita da legislação assinada por ele, referente às ilhas, e verifiquei que a sua acção não se desenrolou apenas no capítulo do abolicionismo mas que foi igualmente benéfica ao arquipélago em muitos outros aspectos, pelo que é justo que sem complexos a sua memória seja divulgada e respeitada em Cabo Verde, tal como o é em Portugal.

  Acerca do busto do Mindelo, deixo aqui uma adaptação do texto que escrevi para a revista "Convocarte" da Faculdade de Belas Artes de Lisboa (/Setembro.2016) e para o jornal "Terra Nova" (Maio-Novembro.2017):

(…) Na mesma praça [antiga de Serpa Pinto, hoje de Amílcar Cabral, para sempre Praça Nova], provavelmente [inaugurado] em data próxima [o memorial a Luís de Camões foi-o em 10 de Junho de 1942] e talvez de idêntica autoria [desconhecida, no entanto], ergueu-se um busto também em pedra do militar abolicionista Sá da Bandeira. Foi ele quem mudou o extravagante nome da cidade de Leopoldina para Mindelo, em memória do desembarque liberal durante a guerra civil de 1828-34. De factura semelhante e pedestal idêntico, tem na base o escudo das quinas, à semelhança do livro do vizinho Camões. Não passou o facto despercebido a Henrique Teixeira de Sousa [o apeamento destes bustos no pós 25 de Abril] que os relatou no romance "Entre duas bandeiras" (…). Recuperados e restaurados, foram anos mais tarde repostos nos mesmos locais. (…)

Por fim, segue um braça para a autora.

Joaquim Saial”

 

Termino este escrito reiterando as saudações à cidade da Praia no seu dia comemorativo, e com a esperança também  de que o nome: Sá da Bandeira, volte a denominar uma nova e digna artéria desta urbe.

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Depois de verificar a quantidade de textos de grande interesse aqui publicados, lamento estar a comentar com relativo atraso. Desfasado temporalmente, sinto-me assim um pouco desasado, mas julgo que nunca é tarde para postar um comentário.
O Sá da Bandeira é tudo isso que a Ondina explica aos leitores, um político e estadista de grande envergadura, um militar de alta estirpe e um homem de firmes ideais forjados pelo Liberalismo por cuja causa lutou durante a sua implantação em Portugal. De seu nome verdadeiro Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, ficou conhecido por Sá da bandeira por, no decorrer da guerra, ter perdido o braço direito no Alto da Bandeira, em Vila Nova de Gaia, aquando do cerco do Porto pelos absolutistas.
O que é de realçar é, de facto, ele ter dado uma atenção particular às ilhas de Cabo Verde, que, conforme é dito no texto, quis atribuir-lhe um estatuto administrativo diferente das demais colónias. Creio que não foram questões financeiras que acabaram por o impedir, mas sim o facto de o governo que chefiava ter caído devido ao rotativismo decorrente das frequentes dissoluções das Cortes.
Sim, Sá da Bandeira pertence à história de Cabo Verde e é uma figura que a ilustra e honra, pelo que foi um autêntico crime de lesa-história ter sido suprimido o seu nome na toponímia da cidade da Praia, para dar lugar a nomes completamente estranhos aos cabo-verdianos e à história do território. É hora de repor a verdade histórica e corrigir os desatinos cometidos há mais de 40 anos. E é também hora de reformular o ensino da história das nossas ilhas, que não começou com o PAIGC e Amílcar Cabral mas no exacto momento em que os navegadores portugueses descobriram as ilhas.

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