A razão das coisas ou um “trabalho” para as mentes?

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Quando éramos jovens e ainda estudantes universitários em Portugal nos idos meados dos 60 e inícios da década de 70 do século XX, costumávamos dizer, meio a brincar, que a então polícia política do regime não seria muito atenta, ou iria para a cama cedo, pois que, para nós, entre outras leituras, ela, a polícia política de Salazar, não escutava com atenção alguns programas que passavam depois das 23 horas, na então Rádio Clube Português, ou na Rádio Renascença. Recordo-me, por exemplo do “PBX” e da “XXIII Hora” entre alguns outros bons programas radiofónicos que eram escutados alta noite, pois que traziam conteúdos de análise e de crítica ao regime salazarista, normalmente de forma subtil, metafórica mas bem expressiva e entendível.
Ora bem, tudo isso veio-me à mente, ao revisitar o escritor americano, oriundo dos Estados Unidos, Sinclair Lewis, o primeiro Nobel da Literatura, (1930) daquele país.
Da leitura do seu famoso romance, «Babbitt» ressalta em linhas pormenorizadas, a construção dos valores sociais, que são caros à classe média estadunidense.
Através de alguma ironia, é certo, mas uma ironia que não disfarça e nem apaga aquilo que, para ele, a sociedade americana elegeu como símbolos mais fortes e estruturantes do seu país. O autor mostra a suprema admiração pelo conforto, pela modernidade, contrastando-os com o apego europeu aos seus monumentos e valores do passado e a sua determinação em conservá-los.
Para além disso, “Babbitt” (nome também da personagem protagonista que encarna o protótipo social estadunidense de então) enaltece o espírito empreendedor mas igualmente, um exacerbado belicismo, potenciado pelo convencimento da superioridade rácica (WASP), e assente num feroz anti-comunismo primário, muito bem caracterizados e desenhados na construção das diversas personagens que povoam o romance.
Se é certo que na parte final do romance, há uma quase reviravolta na forma de estar social do protagonista do livro quando é preso por uxoricídio, «Paul» o melhor amigo dele.
Não é menos certa que o enredo nos leva a verificar que, embora iniciada, a reviravolta comportamental do protagonista do romance não chega a vingar-se pois, «Babbitt» volta ao princípio. Pressionado de todos os lado por onde se movimentava, não só pela família, como também pelo seu grupo de amigos dos clubes da alta-roda que frequentava na sua cidade; ele retomou o seu comportamento de antes, e voltou a fazer o que era expectável que todos os da sua condição social/económica fizessem.
O final não vai contra a corrente e é bem à maneira “americana”.
Há algo que eu gostava de destacar na arte de escrever de Sinclair Lewis: a sua construção primorosa e acabada das personagens. Ele não deixa nada de fora. O leitor visualiza quase que integralmente, cada personagem no seu dia-a-dia, nos tiques, nos gestos e nas atitudes mais intimistas e particulares. Nisso, o escritor é magistral!
Em resumo, o que fica para o leitor e como sempre, extraído dos romances e dos filmes americanos com forte tradição que remonta aos anos 20, 30, 40 e 50 do século XX, é a apologia do: “American’s dream!”
Voltando ao princípio deste escrito, ao que foi referido no primeiro parágrafo e de uma forma, que diria, comparativa, custa entender nos dias de hoje, visto o resultado ideológico conseguido com o elogio cinematográfico e literário do “eldorado” que os perseguidos pelo famigerado “macartismo” (em inglês McCarthyism de Joseph McCarthy) dos anos 50, tenham sido precisamente muitos dos grandes cineastas e escritores de então, ao tê-los considerados como “comunistas” e implicitamente “anti-americanos,” excepção feita ao genial Charlie Chaplin, (que teve de se mudar para a Europa. Aliás, o próprio Sinclair Lewis fugiu para Roma, onde viria a morrer um ano depois, para escapar a implacável perseguição de Joseph McCkarty e seus homens).
E foi de facto, Charlie Chaplin quem realmente gozou e ironizou esses mesmos valores, ultrapassando o âmbito estritamente americano ao imprimi-los de uma forma magistral e verdadeiramente genial na cinematografia, numa perspectiva mais global, mais universal.
Ironia e sarcasmo retomados mais modernamente nos filmes de Woody Allen, indo até ao formato "documentário” de Michael Moore.
Volto a repetir, das minhas leituras dos romances e da visão dos filmes norte-americanos há, regra geral, um grande fundo apologético do «american way of life» (“modelo de vida americano”). Logo, fomentado e alimentado pelos seus intelectuais que tiveram enorme contributo na sua divulgação e implantação. É a globalização.

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