QUE SAUDADE!...

quinta-feira, 18 de julho de 2013
João partiu como sempre viveu: discreto e silencioso. Na sua boémia e folia como no seu trabalho e profissão ele apunha sempre o seu timbre de discrição. Homem de fino trato, elegante e cordato assumia sempre com as pessoas, um comportamento em que a ética e a cordialidade presidiam o relacionamento mesmo quando era fugaz e transitório. Desde muito novo teve funções que lhe conferiam alguma visibilidade. Visibilidade esta que não só se realizava pelo empenho e eficiência mas também e sobretudo, pela integridade e honestidade com que desempenhava essas suas funções. Pelo trabalho feito.

Tinha com ele, quase semanalmente, conversas longas sobre a família que ele adorava e fazia questão de o dizer de forma expressa com um certo ar de beatitude como sendo a sua principal razão de viver. Falávamos também de política. A maior parte das vezes. Discordávamos quase sempre nos caminhos a seguir. Não nas metas e nos objectivos. O país acima de tudo. Recordo-me da maneira elegante e sorridente com que contornava as suas concordâncias substantivas comigo quando estas punham a descoberto a linha oficial do seu partido, sem as expressar explicitamente. Era uma questão ética de compromisso em relação ao seu partido da qual não abdicava nem na privacidade.
Os muitos e bons anos que tivemos, Ondina e eu, o enorme privilégio de com ele convivermos de muito perto conferiram-nos a autoridade de o considerar um excelente pai, um carinhoso e babado avô, um fiel e leal amigo e um grande cidadão. Alguém que, com toda a propriedade, se pode chamar um Homem Bom. Seguramente teria sido também um bom marido, di-lo-iam os quase 50 anos de casado; mas a sabedoria popular não aconselha que se “meta a colher”.

Em apenas quarenta dias perdemos, a Ondina e eu, dois irmãos: um biológico (meu) outro de adopção. Ambos de coração e no mesmo patamar. A nossa vida está ligada de forma indelével aos dois. Com o primeiro, o Daniel, as primeiras dezenas anos de vida caracterizadas por um certo nomadismo, protecção, irrequietismo (meu) e vicissitudes que teve que aturar com a paciência e tolerância de um bom irmão mais velho; o segundo as últimas, obviamente em sobreposição. Quiseram as circunstâncias da vida que vivêssemos mais continua e intensamente com o segundo. Dos dois permanece uma SAUDADE imensa, indescritível, que o tempo irá dissipando sem nunca extinguir.
Tenho uma concepção de morte que considero, talvez pretensiosamente, de pragmática: respeito-a profundamente, mas é algo que reputo de muito íntimo. Diz respeito apenas àqueles que sentiram de facto a perda do seu ente querido. E não há que exibi-lo – esse sentimento. E muito menos com romarias protocolares que, na sua maior parte, não passam de manifestações superficiais de um sentimento que não existe e de uma solidariedade manifestada de uma forma que poderá ser incomodativa e inoportuna. Ou de uma homenagem deslocada e intempestiva.

Os pêsames devem ser um sentimento de facto e não uma obrigação, um ritual de circunstância imposto pelas convenções sociais sem se avaliar da oportunidade e das crenças sociais e religiosas dos envolvidos.
O respeito por aquele que nos deixou começa e termina no respeito pelos seus entes queridos. Pelo direito destes ao “choro” na intimidade; à meditação; ao recato e muita privacidade. Tudo isto exige àqueles que nos visitam e que o fazem com sincera amizade e pesar, e não no cumprimento de um simples ritual, contenção e alguma sobriedade no próprio acto de visita.

Hoje, nos tempos actuais, com as tecnologias de comunicação ao dispor de toda a gente, a solidariedade e a homenagem podem ser prestadas em tempo real, e registadas, sem importunar ou incomodar.
Não pretendo, de maneira nenhuma constituir-me em referência de qualquer natureza. Cada um sabe como há-de agir. Eu, por mim, também respeito a tradição. Mas procuro fazê-lo com algum bom senso, isto é, sem rigidez nem fundamentalismo.

Tínhamos combinado, o João e eu, beber um whisky quando ele voltasse. A esperança era grande pois tinha ido com os seus próprios pés. Não quis o destino que isto acontecesse.
Para o João é um adiamento. Ele acreditava…
A. Ferreira
 

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