Orlanda Amarilis - Uma Nota de homenagem
sábado, 1 de março de 2014
Com a morte recente – Fevereiro 2014, após doença prolongada – da escritora Orlanda Amarílis que completaria este ano 90 anos de idade regista-se sempre com pesar o desaparecimento físico de um grande nome da Literatura nacional.
Orlanda Amarilis, cujo nome completo é Orlanda Amarilis Lopes Rodrigues Fernandes Ferreira, nasceu na Vila da Assomada, ilha de Santiago em 1924. Filha de Armando Napoleão Fernandes, autor do já considerado, primeiro dicionário do crioulo das ilhas de Cabo Verde.
Ainda criança e órfã de mãe, Orlanda Amarílis foi levada para S. Vicente onde fez os estudos primários e liceais na cidade do Mindelo.
Mais tarde, e já casada com o escritor e grande ensaísta e estudioso da Literatura cabo-verdiana, Manuel Ferreira, concluiu o Magistério Primário em Goa, então Estado da Índia portuguesa, para onde o marido fora colocado em serviço militar. Após o regresso a Portugal, país que passaria a viver, após as comissões de serviço do marido, Orlanda Amarílis fez o Curso de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras de Lisboa. Exerceu o professorado. Foi inspectora escolar e participou na elaboração de manuais escolares do ensino básico.
Orlanda Amarílis pertenceu ao Movimento Português Contra o Apartheid, ao Movimento Português para a Paz e era membro da Associação Portuguesa de Escritores e do Pen Club. Participou como conferencista convidada de vários encontros de escritores no espaço de Língua Portuguesa.
Mas anos antes e durante a sua juventude em Mindelo, pertenceu à «Academia Cultivar», interessante agremiação dos estudantes do então Liceu de Gil Eanes, de onde haveriam de sair, anos mais tarde, em 1944, elementos importantes pertencentes ao movimento «Certeza», em cujo primeiro número da sua revista, Orlanda Amarílis colaborou.
Contista, muito apreciada e com obras publicadas, de entre as quais se destacam: «Cais-de-Sodré-Té-Salamansa», 1974 «Ilhéu dos Pássaros», 1983 «A Casa dos Mastros», 1989 e a «A Tartaruguinha» 1997, esta última, um conto infanto-juvenil de rara beleza, em que a componente pedagógica/exemplar se alia à fantasia imagética e literária do enredo, resultando numa história de encantar e de ecologia.
Uma das particularidades dos contos da autora é a fixação na sua escrita ficcionista, de histórias esotéricas, com configuração picaresca. Será o caso do muito conhecido conto: «Rolando de Nha Concha» em que o protagonista, Rolando, morto, vê e narra o seu próprio velório. A autora consegue neste conto uma interessante sobreposição da vida e da morte, em que na passagem de uma para a outra as fronteiras quase que se esbatem, uma vez que a narrativa as funde e as confunde de forma intencional. Igualmente, a autora inscreve no conto de uma forma pictórica e algo cinético, as acções espectaculosas da multidão que acompanha o acto fúnebre.
Vale a pena ler o registo esclarecedor do percurso literário desta autora, feito na entrevista concedida a Michel Laban, em 1984, no volume II «Cabo Verde – Encontro com Escritores». Orlanda Amarílis, afirma a determinada altura – e a propósito da criação das suas personagens, e das acções dos contos, de feição esotérica que rapidamente se transformam em histórias fantásticas – o seguinte: “… Sabe que por vezes o indivíduo aliena-se sem se aperceber por que o faz. Então, os momentos inesperados são aproveitados, inconscientemente para resolver os seus hiatos íntimos. Numa terra sem incentivos culturais, onde as pessoas cantam, dançam e tocam mornas, todavia entregues a si mesmas, mas que também passam fome, quando surge uma situação nova, dramática ou não, picaresca ou insólita, surge como que um espectáculo. Há os passivos, outros que invectivam, outros atraídos pela empatia da situação e ainda os que se preocupam com a situação em si. É como uma «performance»” (fim de citação)
Outro conto ilustrativo desta arte de narrar de Orlando Amarílis que por vezes toca o fantástico e o surreal, é o conto: «Maira da Luz». A narrativa começa por ser uma espécie de diário de uma adolescente – Maira da Luz – no seu dia-a-dia estudantil. Tudo se passa em Mindelo, na transição do nome do Liceu, então Infante D. Henrique, para o nome de Liceu de Gil Eanes. As aulas, os colegas, os professores, as amigas, as pequenas invejas, os sucessos e os insucessos escolares, as reprimendas, todo o enredo ficcional é contado de forma verosímil. Só que no final da história algo de surpreendentemente transformador e fantástico acontece e transtorna toda a história até aí narrada, dando-lhe um tom outro, de quase absurdo, e que entra no domínio do esotérico, tão ao gosto e que marca a escrita desta contista.
Os contos, «Rolando de Nha Concha» e «Maira da Luz» que nos serviram de ilustração definidora da arte de ficcionista de Orlanda Amarílis, encontram-se nas colectâneas de contos já aqui referidas.
Igualmente há a registar a preocupação social, histórica e estilística da escritora na criação das suas personagens femininas crioulas. São mulheres trabalhadoras e lutadoras, com uma visão peculiar dos destinos que encerram as suas vidas. Vidas feitas também de saudades das ilhas deixadas e de recordações que as acompanham na diáspora para onde se transpuseram. Apercebe-se o leitor de uma aproximação e de um entendimento solidário da autora com estas personagens. As falas femininas são normalmente, recheadas de palavras e de expressões do crioulo de Cabo Verde numa mistura com palavras e expressões da língua portuguesa, que acabam por reelaborar uma forma elocutória muito especifica e particular das personagens – mulheres recriadas pela autora.
Orlanda Amarílis está presente em várias antologias de Contos no espaço da Língua portuguesa. Os seus Contos têm também servido para algumas teses de mestrado e de doutoramento nas áreas da Literatura cabo-verdiana e das Literaturas comparadas.
Para concluir, de referir que Orlanda Amarílis foi distinguida em vida, e merecidamente, com alguns prémios literários. Tem nome e obra feita. Encontra-se destacada na galeria dos ficcionistas cabo-verdianos do século XX.
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