A
nossa democracia – estou em Cabo Verde – é muito recente e ressente-se da sua
juventude com reflexos muito óbvios na condução da coisa política. Mais de três
séculos separam a Revolução Gloriosa (1688) – mãe do pluralismo e génese das democracias
modernas – da nossa democracia (1991). Um longo caminho temos pela frente por
mais que a aceleremos. Mas isto não obsta que executemos coisas básicas que têm
que ver apenas com valores também eles simples como verdade, honestidade,
honra, integridade, sentido de compromisso, entre outros.
O
Governo nomeado através da maioria parlamentar do MpD caminha muito rapidamente
para o término do seu período de graça sem que a tendência aponte sequer para a
satisfação das expectativas mais baixas dos seus eleitores.
Os cabo-verdianos
votaram maioritariamente no MpD. É este partido que deve prestar contas pelas
promessas que fez, pelos contratos sociais e políticos que contraiu com a
sociedade e pelas expectativas que criou.
O Governo que o partido indicou para
executar o seu programa é da sua inteira responsabilidade e durará o tempo que ele,
o partido, entender. Nem mais um minuto! Sempre para o bem de Cabo Verde e dos
cabo-verdianos.
O
programa do Governo não pode colidir com (nem ignorar) o do MpD que o povo directamente
votou. Têm que nos dar o que prometeram.
O
escrutínio de um partido no poder faz-se em várias frentes donde sobressaem duas:
acções governativas e actividade do grupo parlamentar que as suporta. E daí estarem
sujeitos a todo o tipo de críticas e de apreciação.
Pelo “andar da carruagem”
tudo levar a crer que determinada “entourage” deste Governo é avessa a críticas
– mesmo que venham de entre os seus eleitores, pois que são estes os seus mais
leais críticos – que amiúde apelida de “má-língua” numa tentativa de a apoucar
e de a ignorar.
Criticar
não é maldizer assim como aplaudir não é bajular. A dicotomia entre estes dois
pares de conceitos é tão nítida quanto é perversa a sua confusão.
Como
escreveu alguém (transcrevo): “Qualquer crítica –
e qualquer defesa – que se baseie sobretudo em
insultos não é crítica nem defesa: é mero desabafo. Não vale nada.” (o sublinhado é meu). Substituiria
“Qualquer crítica” por “qualquer comentário” e subscreveria a frase.
A continuar assim, com esta nova postura, o MpD corre o risco
de afastar da sua “práxis” uma mais-valia, já tida por tradição, que é a força
transformadora da crítica interna, feita pelos seus membros que sem receio de a
exteriorizar, mais não pretendem que ajudar o Partido a rumar num trilho que
sirva melhor as linhas governativas do país.
Torna-se
evidente e inequívoco que os rótulos (insultuosos) que partem do interior de
uma organização política associados aos comentários que lhes são dirigidos,
quer em privado quer em público, têm por objectivo o condicionamento implícito da
liberdade de opinar sobre essa organização política.
O
efeito das variantes negativas – maldizer, bajular, entre outras - devia ser
equivalente: ambas amordaçam a opinião livre colocando-lhe uma marca pejorativa
que a inibirá de se manifestar. Mas na prática, não é isto que acontece:
lança-se sobre o crítico o anátema de “má-língua” (dizer mal) com todos os
efeitos deletérios sobre a pessoa ou grupo de pessoas e premeia-se o “bajulador”
(ou a sua troupe) como fiel
aplaudente (seguidor) do grande chefe.
Mas
o mundo não é a branco e preto não obstante o maniqueísmo se afigure
inquestionavelmente mais cómodo porque dispensa o esforço de raciocínio, de
procura da “virtude” – que está no meio, diz o povo. Um largo espectro, um
arco-íris de matizes, existe entre estes dois extremos.
Impõe-se,
pois, uma análise objectiva, honesta e correcta – a isenção nunca é fácil (deve-se
tentar) e nem sei se existe quando se é parte – feita tendo como pano de fundo
os benefícios da sociedade cabo-verdiana e a legitimidade das exigências ao
cumprimento das promessas eleitorais e as expectativas dos eleitores num quadro
de legalidade, igualdade e equidade antes de classificar qualquer comentário.
Esta é a função de qualquer entidade ou organização que se preze.
Contudo,
reconheço que é inquestionavelmente mais cómodo o maniqueísmo que não carece de
justificação nem de esforço sobretudo quando se orienta para o insulto fácil. E
torna-se ainda mais confortável quando conduz à generalização abusiva.
Mas
a confusão não fica por aqui, também se tenta fazer passar “privilégio” por
“direito” sobretudo nos chamados eufemisticamente lobbies, que na realidade, no nosso País, não passam de amiguismo.
Não
serei eu a enumerar os vários nichos de expectativas defraudadas porque
correria sérios riscos de ser apelidado de “incendiário” o que parece já estar também
no léxico da entourage do poder.
Cabe
aos partidos políticos um papel fundamental na formação e formatação da
consciência política dos cidadãos. Isto é, não os assiste apenas angariar aderentes
e votos para a sua causa, mas também ter, pela sua postura e comportamento, uma
acção de pedagogia política sobre a sociedade o que implica também honestidade
e verdade perante os compromissos assumidos, cumprimento dos “contratos
políticos” realizados durante as campanhas não defraudando as expectativas dos
eleitores e respeito, muito respeito por qualquer opinião mesmo discordando
dela.
Tudo isto ocorre, em grande parte, porque há a
fulanização da política que aponta incidentemente tanto para a intriga
mesquinha como para o culto da personalidade.
E não é preciso ir muito longe: Basta olhar para
o comportamento de grande parte dos candidatos às autárquicas e para os seus
respectivos “slogans” de candidatura – uma eleição local.
A.
Ferreira
1 comentários:
Entre os pontos essenciais desta reflexão, sublinho esta: "Criticar não é maldizer assim como aplaudir não é bajular. A dicotomia entre estes dois pares de conceitos é tão nítida quanto é perversa a sua confusão."
A meu ver, só uma apurada formação/educação democrática permite a perfeita compreensão daqueles conceitos. Longos anos ainda vão ser necessários para atingirmos esse desiderato em Cabo Verde. É claro que a aprendizagem não deverá seleccionar os cidadãos em função do seu grau de escolaridade. Isto porque, em termos substantivos, um analfabeto pode interiorizar os princípios básicos de justiça, igualdade e respeito pelo outro, tanto como alguém dotado de sofisticada formação académica. E até podem os princípios correr mais riscos de serem espezinhados entre gente de estrato superior do que entre o povinho, dado que o que está em causa é mais a ética do comportamento do que a compreensão dos mecanismos do funcionamento da democracia. Por isso é que sempre que a democracia é questionada quem é visado é o detentor do cargo político e não propriamente o povo, embora a questão não seja assim tão linear porque o primeiro é escolhido pelo segundo. E este é que se sujeita à exposição pública.
Enfim, a democracia é tão complexa nos seus meandros quanto a natureza humana. A dificuldade em superar as suas limitações radica nas engrenagens do comportamento humano. Em linguagem corrente, dir-se-á que é um problema de mentalidade ou de idiossincrasia. Vai-se ver e os povos do Norte da Europa parecem mais habilitados a respeitar as regras da vida comunitária do que os do Sul, porque são povos de perfil psicológico diferente. E naquelas paragens é toda a comunidade social que exprime o sentido da adesão livre e responsável às regras e princípios da vida colectiva.
Diz-se que em África somos um exemplo neste capítulo, e é pura verdade. Mas sejamos realistas e aceitemos que jamais atingiremos o sucesso dos nórdicos. Se ficarmos nivelados com os portugueses e espanhóis já não será nada mau…
Mas também cabe perguntar se a democracia resolve por si só os nossos problemas, e isto aplicando-se também a outros povos. Ou seja, contentar-se só com a instituição das suas regras formais e funcionais pode dar conforto interno e garantia aos que nos observam lá fora e ajudam financeiramente, mas não será só por ela que vão operar-se grandes mudanças na nossa vidinha.
Ora, felicito o Armindo pela sua equidistância partidária nos juízos que faz sobre a saúde da nossa democracia e da nossa vida política. Eu também acho que o governo não está a dar grandes sinais de cumprir, pelo menos para já, as promessas eleitorais que fez. A mim intrigou-me a celeridade dada à aprovação do Estatuto Especial para a Praia, como se fosse a prioridade das prioridades nacionais. Quem brandiu a bandeira eleitoral da regionalização devia estar com as barbas a arder. Mas parece que não é que está a acontecer. Não quero com isto significar que a regionalização devia ter sido anunciada como uma prioridade. Mas o MpD é que apitou esse comboio na sua campanha…
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