Pode
daí não advir mal algum se alguém do PAICV tenha sido nomeado para um cargo
dirigente pelo actual governo apoiado pelo MpD não obstante as eleições tenham
sido ganhas sob o signo de MUDANÇA. É uma prática que não só não é virgem como
constitui até tradição em democracias mais maduras e avançadas partilhar
determinados cargos com a oposição de alternância governativa, equilibrando-os,
em caso de conselhos de administração, pelo número de administradores e pela distribuição
de pelouros. Pessoalmente, estou é mesmo interessado na competência da pessoa
para o desempenho da função, sobretudo quando se trata de funções “meramente”
técnicas.
A
minha posição pessoal apoia-se no facto de presumir, que para funções de forte
componente política, nenhum homem intelectualmente sério e honesto com profundo
respeito pelo seu pensamento e pelo seu projecto de sociedade aceitaria permanecer
no lugar para que tenha sido nomeado ou indigitado pelo governo anterior (mais)
pelas suas simpatias políticas ou mesmo militância, isto é, pelas suas
convicções ideológicas e confiança política do que (apenas) pela sua
competência específica para o desempenho desse cargo; ou, mantendo-se com as
suas convicções políticas, aceitar um convite de sentido contrário para
execução das mesmas funções. Seria violentar-se, ou, então, o que é pior, fazer
o papel de infiltrado ou, como sói dizer-se, de submarino. Contudo, como também
se costuma dizer, cada um sabe com que linhas se cose.
O
que na realidade, me parece uma posição ao mesmo tempo oportunista e
desrespeitosa para a nossa ignorância, é a justificação que se ouve dos dois
lados – governo e o nomeado – para esta “promíscua” coabitação.
Do
lado do Governo, quando inquiridos pelos seus correligionários mais zelosos,
que terão embarcado no voto de mudança, vem uma falaciosa, ingénua ou pueril justificação:
“Para termos os votos que tivemos, muitos paicvistas terão votado em nós.” Uma
lógica que se poderia aplicar a qualquer governo com maioria absoluta na
Assembleia.
Dito
dessa forma soa a falso. Ou é ingenuidade, ou configura um menor respeito à
nossa ignorância o que não parece ser menos grave. O que sobressai é a hipótese
absurda de que todos os eleitores são militantes de partidos, ignorando deliberadamente
os “independentes” flutuantes e os novos que se formam ao longo de um mandato e
que só exercerão (manifestarão) a sua “simpatia” quando tiverem 18 anos.
Se o
MpD não se considera ainda um partido devidamente consolidado, é um problema
que se põe aos seus militantes e que não me parece resolver-se com a actual
direcção que luta com uma indefinição ou, se calhar, com uma deriva identitária,
assente no carácter errático das suas decisões e tomadas de posição políticas.
Mas
o PAICV é um partido bem definido que funciona consistentemente de acordo com
as suas convicções, estatutos e inquestionável disciplina partidária. É preciso
não confundir isto com a existência de eventuais facções ou correntes internas
que, respeitando as regras, só enriquece a sua democracia interna. Que ninguém
se iluda: estamos no século XXI perante um partido de organização marxista.
E pensar
que um, um só militante do PAICV tenha votado na sigla MpD é um exercício, a
meu ver, de pura heresia política. Não confundir as eleições legislativas,
totalmente partidárias, com as presidenciais!
Façamos
um pequeno exercício com as eleições legislativas, exceptuando as primeiras
(1991) não pela atipicidade dos resultados – maioria qualificada – mas pelas
circunstâncias políticas peculiares que as envolveram e que as tornaram transitórias
e redutoras uma vez que a emigração não votava, o que só viria a acontecer graças
ao MpD com a Constituição de 1992.
ANO (Legisla-tivas)
|
Nº de deputados
|
Nº de Votos
|
Nº de Eleitores
|
|||
PAICV
|
MpD
|
Outros
|
MpD
|
PAICV
|
||
1996
|
22
|
49
|
1
|
|||
2001
|
40
|
30
|
2
|
|||
2006
|
41
|
29
|
2
|
|||
2011
|
38
|
32
|
2
|
94 674
|
117 967
|
298.567
|
2016
|
29
|
40
|
3
|
122 881
|
86 078
|
350.388
|
Média
|
34
|
36
|
2
|
|||
DP
|
9
|
9
|
1
|
:
Olhando
para o quadro e numa análise grosseira e simplista – muitos outros parâmetros (omissos)
cruzados exigiriam um estudo mais cuidadoso – concluímos:
1º - A média de
deputados de cada um dos partidos, desde a entrada em vigor da actual
Constituição, é sensivelmente igual: 34 para o PAICV e 36 para o MpD; o pequeno
desvio observado foi provocado pela maioria qualificada de 1996.
2º - Cada um desses
grandes partidos tem garantido um eleitorado fixo correspondente a cerca de 29
(mínimo) deputados, dado que os resultados de 1996 fogem à normalidade
(estatística), em democracia – maioria qualificada;
3º - Os restantes (±)12
deputados uma vez que a média dos pequenos partidos é de 2, serão os
verdadeiros campos de acção dos partidos nas campanhas. Este número, não
pertence, obviamente, a nenhum dos partidos (ou pertence a todos) e será
disputado no terreno dos novos eleitores, mais os eleitores flutuantes sem
cores partidárias que votam de acordo com as suas conveniências mais imediatas
movidas pela propaganda eleitoral ou por outras causas.
4º - Nas últimas
eleições – 2016 – votaram mais cerca de 52.000
novos eleitores do que nas eleições anteriores (2011);
5º O MpD ganhou, nestas eleições de 2016 mais
cerca de 28.000 votos do que nas
eleições anteriores; enquanto o PAICV
perdia cerca de 32.000 votos e a
UCID somava mais cerca de 6.000 votos. Os ganhos do MpD e da UCID juntos
((±34.000) são superiores à perda do PAICV ((± 32.000).
Concluir
linearmente, num universo de 52 mil novos eleitores mais os eleitores sem
partido (flutuantes), da transferência de votos do PAICV para o MpD ou que a
vitória do MpD é fruto de gente do PAICV que votou no MpD, é, no mínimo, muito
precipitado, mau grado se possa admitir o surgimento de um ou outro caso
isolado sem qualquer relevância.
Quanto
ao argumento dos nomeados que se justificam que estão ao serviço de Cabo Verde,
esquecem que todos estão ao serviço de Cabo Verde mesmo os mais humildes
servidores e que não é nem pode ser isto que está em causa.
O
que suscita forte reflexão é a assumpção, por parte deles (nomeados), das novas
orientações, das novas abordagens, em suma, do novo Projecto Político para o
desempenho da função. É ainda a MUDANÇA… Como disse um analista político o que é que se pode esperar das mesmas
pessoas, nos mesmos lugares com as mesmas leis que o actual Partido político
que apoia o Governo rejeitou nas votações parlamentares?
A
mim não me repugna ver quadros da oposição em funções dirigentes desde que
essas funções sejam eminentemente técnicas e essas pessoas tenham já provas
dadas – não amiguismo – da sua competência nessa área. Nesta linha, até posso
compreender no aparelho do Governo a função de assessoria (assessores técnicos)
em determinados sectores por gente (soft) de oposição. O que já não compreendo
e que se me afigura uma autêntica quadratura do círculo é a de “conselheiro”
oriundo da oposição. Um conselheiro tem associado uma forte componente política
de sintonia não só de carácter ideológico como de meios, metas e objectivos com
o aconselhado. A menos que as políticas para esse sector sejam rigorosamente as mesmas do governo
anterior.
Mas
o que me faz mesmo impressão e, como se costuma dizer, me tira do sério, é a cena de vitimização dos quadros do
PAICV quando afastados. Depois de quinze anos a partidarizar toda a
administração do Estado, no que é publicamente confirmado pelo seu próprio
chefe, dizem-se agora perseguidos porque foram afastados, substituídos. Imagine-se,
PERSEGUIDOS! A obsessão de que são os donos da terra e que só eles poderão
governar, não os deixa ver de que hoje são OPOSIÇÃO e que este governo tem toda
a legitimidade para fazer as mudanças que entender no quadro da lei e a coberto
do voto popular. Mas a cena de vitimização tem de facto outro propósito: a de
condicionar, intimidar o MpD e o seu Governo a não ir mais longe do que a
simples substituição. A não denunciar as irregularidades, e os eventuais crimes
existentes e praticados na sua gestão.
Pois
bem, o Governo nada tem a temer com as suas mudanças e tem a obrigação de
informar a população do estado de cada sector e agir em conformidade (sob pena de cumplicidade) para a sua salvaguarda e para a defesa do erário. Os
gestores nomeados não têm que se envergonhar
em ser MpD ou seu simpatizante, tomando atitudes gratuitas e folclóricas porque
não é isto que caracteriza uma gestão, mas assumi-lo (o MpD) firmemente quando
for necessário. Noblesse oblige!
A. Ferreira
1 comentários:
Esta análise do Armindo Ferreira é intocável em todos os pontos sobre os quais se debruça. Aplica-se ao actual momento cabo-verdiano assim como se aplica a outras situações em que a democracia muitas vezes se emaranha em equívocos e tibiezas.
“Para termos os votos que tivemos, muitos paicvistas terão votado em nós.” De facto, quem assim afirmou embarca num juízo completamente errado, conforme explica o autor. Há uma fatia enorme do eleitorado que exprime o seu voto sem que por isso esteja conscientemente identificado com este ou aquele partido. É tão errado chamar "paicvistas" a todos os que votam PAICV como "mpdistas" a todos os que votam MpD. Grande parte das vezes trata-se de gente sem formação política sequer para assumir uma fidelização. Aliás, em todo o lado existe essa faixa importante dos votos flutuantes.
Em particular, concordando inteiramente, só pode causar repúdio quem aceite um importante cargo público sob uma orientação política contrária às suas convicções.
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