A 20 de Março – início da
Primavera – anunciava-se alegre e ruidosamente, em Cabo Verde, a Primavera
política. A vitória do MpD nas legislativas que cobriu todas as ilhas de verde
anunciava um Verão político – as autárquicas – muito quente para o PAICV, o que
veio a acontecer. Sem dúvida que o acompanhou o calor abrasador que grassa
pelas nossas ilhas.
Outono não se anuncia melhor. E não será apenas uma questão
da onda verde que politicamente galgou Cabo Verde mas produto de um desempenho
muito bom do candidato presidencial à sua própria sucessão que resgatou a
imagem da função presidencial, que herdara do seu antecessor, tornando-a de
novo honrosa, dignificada, culta e respeitada por todos os cabo-verdianos.
Assim, 2016 ficará para a
História do PAIGC/CV como o Annus horribilis.
Se a retumbante vitória do
MpD nas legislativas tinha paralelo nas duas maiorias qualificadas de 1991 e
1996, os resultados destas autárquicas podem configurar, sem pôr em causa o que
diz o presidente do MpD – “uma vitória da democracia” – um eventual
“desvirtuamento” no funcionamento da democracia cabo-verdiana se não se lhes
derem a devida atenção e um analítico enquadramento. Isto é, devem ser
analisados numa óptica realista: sem quaisquer deslumbramentos ou
triunfalismos.
Atente-se à dimensão da
oposição PAICV: duas pequenas – com todo o respeito, muito pouco importantes –
câmaras em vinte e duas, tendo sido relegado para terceira força política em
três concelhos. Uma autêntica hecatombe!
Os resultados destas duas
eleições bem como a quase certa vitória nas presidenciais que se aproximam do actual Presidente (mandato
suspenso) que não obstante não pertencer a qualquer partido político é
inquestionavelmente da área política próxima do MpD, podem configurar um
regresso, desta vez, democrático, de “partido único”. Toda a atenção é pouca!
Diz o povo que quem
semeia ventos colhe tempestade. Foram quinze anos de maioria democrática
que foram exercidos com poder absoluto, autoritarismo e exclusão apoiados em
mentiras, falsas promessas e malabarismos retóricos. O PAICV foi implacável!
Quem não fosse desse partido era simplesmente ignorado ou afastado. Isto num
País em que o Estado é, de longe, o maior empregador.
O ex-presidente do PAICV
quis, como primeiro-ministro, “brincar” com o povo cabo-verdiano, sobretudo no
seu último mandato, e como militante do PAICV com o seu próprio partido, ao
menorizar a sua sucessora dando-lhe um subalterno e modesto lugar no seu
governo, promovendo-se num desenfreado marketing pessoal com viagens
permanentes e discursos demagógicos, populistas e ego-centrados, pensando
apenas nas presidenciais que acabariam, para ele, por se gorar. A pouco e pouco
ia definhando o seu partido julgando que com a sua postura se sobressairia. Ele
seria a montanha e o resto a planície ou a achada. Para a consumação dos seus
objectivos, apenas seria necessário agradar os chamados “históricos” o que fez
enchendo-lhes de benesses e mordomias que o actual governo e as finanças
públicas terão que gerir.
É certo que a sucessora,
jovem e impetuosa, deixou-se embalar na “canção do bandido” que mais não era do
que um disfarçado “canto do cisne”, assumindo a continuidade em vez de se
demarcar da gestão desastrosa da qual chegou a ensaiar críticas assertivas em
alguns discursos, designadamente na disputa interna para a presidência do
partido, promovendo a verdadeira renovação do seu partido para a qual tinha
todas as condições, nomeadamente combatividade e juventude – tempo para esperar
melhor altura de voltar e impor as suas convicções, se tivesse que bater com as
portas.
O partido ainda estava
vivo quando o recebeu, mas em morte lenta, em estado comatoso que ela não soube
ver e muito menos, consequentemente, gerir. Faltou-lhe a visão estratégica ou,
pelo contrário, houve excessiva ansiedade e ganância pelo poder? Ou ambas? E
agora, só lhe resta fazer o funeral. O do partido, não o seu funeral político
porque é jovem e tem pela frente um longo e promissor futuro. O primeiro passo
está dado. A questão agora será sempre o timing... E as convicções!
Não obstante a soberania
do povo na sua escolha, não há qualquer dúvida que o actual estado do País não
é o mais conveniente para o bom funcionamento da democracia: as autarquias, o
governo, o parlamento e o presidente, todos da mesma área política.
É preciso que,
rapidamente, o PAICV se reestruture, interiorize a democracia e consciencialize
de vez, de que não é o dono disto... Ele é necessário para a democracia se
assumir verdadeiramente esta forma de ser e estar na política. Não apenas a
retórica.
Na ausência de uma
oposição com voz – a actual é fraca e, com poucas excepções, sem moral –
impõe-se, pois uma abertura interna e alguma atenção para a crítica no seio do
MpD e a afirmação de uma sociedade civil verdadeiramente empenhada e actuante.
Embora aposte que o PAICV
fará precisamente o contrário, é minha opinião que devia investir em força nas
presidenciais de forma a levar os seus votos à presidência e ganhar alguma
legitimidade para o respaldo às suas eventuais reivindicações. Ter cuidado com
o discurso nas presidenciais porque, mesmo que o eleito seja o Presidente de
todos os cabo-verdianos, “só não sente quem não se sente filho de boa gente.”
O que na verdade estranha
são os defensores do “partido único”, do “centralismo democrático” e da
“democracia nacional revolucionária” de triste memória que nos “orientou”
durante quinze (ou serão 30?) longos anos, insurgirem agora contra o actual
figurino” porque, afirmam, (imagine-se!...) “os ovos estão todos no mesmo
cesto”. Convenhamos!...Nunca é tarde
para se mudar de ideias. É por isso que se diz que só não muda de ideias quem
as não tem.
A. Ferreira
2 comentários:
Este é um artigo que merece ser lido e comentado. Mas também, e sobretudo, aproveitado como exemplo de rigor analítico, honestidade intelectual e coerência política. Esta última faceta reconhece-se particularmente na afirmação sobre o risco que representa para a democracia a eternização no poder de qualquer partido político, ainda que por legitimação eleitoral. E também sobre o perigo de se depositarem “os ovos no mesmo cesto”, que é quando o mesmo partido ganha em todas as frentes eleitorais.
Por conseguinte, o que o articulista entende aplicável ao PAICV, é-o rigorosamente para o partido com que mais se identifica, o MpD, contrariamente, aliás, ao que o José Maria Neves pensava quando exerceu o poder durante 3 legislativas consecutivas, afirmando então que a estabilidade da democracia, e implicitamente do país, exigiam esse poder único e ininterrupto.
Uma análise coerente que não pode ser considerado partidário mas sim objectivo.
Com efeito, a conversa do ex-PM é completamente contrària ao que sempre dizia JMN quando estava no poder e queria tudo para o seu partido. Agora que perdeu muda de conversa como "girouette" ou político sem estofo que muda de direcção (conversa) conforme o vento.
Estou certo que muitos gostariam de assinar o artigo mas Armindo Ferreira não hesitou em fazê-lo.
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