2016 – O “ANNUS HORRIBILIS” DO PAIGC/CV

quarta-feira, 7 de setembro de 2016


A 20 de Março – início da Primavera – anunciava-se alegre e ruidosamente, em Cabo Verde, a Primavera política. A vitória do MpD nas legislativas que cobriu todas as ilhas de verde anunciava um Verão político – as autárquicas – muito quente para o PAICV, o que veio a acontecer. Sem dúvida que o acompanhou o calor abrasador que grassa pelas nossas ilhas. 

Outono não se anuncia melhor. E não será apenas uma questão da onda verde que politicamente galgou Cabo Verde mas produto de um desempenho muito bom do candidato presidencial à sua própria sucessão que resgatou a imagem da função presidencial, que herdara do seu antecessor, tornando-a de novo honrosa, dignificada, culta e respeitada por todos os cabo-verdianos.

Assim, 2016 ficará para a História do PAIGC/CV como o Annus horribilis.

Se a retumbante vitória do MpD nas legislativas tinha paralelo nas duas maiorias qualificadas de 1991 e 1996, os resultados destas autárquicas podem configurar, sem pôr em causa o que diz o presidente do MpD – “uma vitória da democracia” – um eventual “desvirtuamento” no funcionamento da democracia cabo-verdiana se não se lhes derem a devida atenção e um analítico enquadramento. Isto é, devem ser analisados numa óptica realista: sem quaisquer deslumbramentos ou triunfalismos.

Atente-se à dimensão da oposição PAICV: duas pequenas – com todo o respeito, muito pouco importantes – câmaras em vinte e duas, tendo sido relegado para terceira força política em três concelhos. Uma autêntica hecatombe!

Os resultados destas duas eleições bem como a quase certa vitória nas presidenciais que  se aproximam do actual Presidente (mandato suspenso) que não obstante não pertencer a qualquer partido político é inquestionavelmente da área política próxima do MpD, podem configurar um regresso, desta vez, democrático, de “partido único”. Toda a atenção é pouca!

Diz o povo que quem semeia ventos colhe tempestade. Foram quinze anos de maioria democrática que foram exercidos com poder absoluto, autoritarismo e exclusão apoiados em mentiras, falsas promessas e malabarismos retóricos. O PAICV foi implacável! Quem não fosse desse partido era simplesmente ignorado ou afastado. Isto num País em que o Estado é, de longe, o maior empregador.

O ex-presidente do PAICV quis, como primeiro-ministro, “brincar” com o povo cabo-verdiano, sobretudo no seu último mandato, e como militante do PAICV com o seu próprio partido, ao menorizar a sua sucessora dando-lhe um subalterno e modesto lugar no seu governo, promovendo-se num desenfreado marketing pessoal com viagens permanentes e discursos demagógicos, populistas e ego-centrados, pensando apenas nas presidenciais que acabariam, para ele, por se gorar. A pouco e pouco ia definhando o seu partido julgando que com a sua postura se sobressairia. Ele seria a montanha e o resto a planície ou a achada. Para a consumação dos seus objectivos, apenas seria necessário agradar os chamados “históricos” o que fez enchendo-lhes de benesses e mordomias que o actual governo e as finanças públicas terão que gerir.

É certo que a sucessora, jovem e impetuosa, deixou-se embalar na “canção do bandido” que mais não era do que um disfarçado “canto do cisne”, assumindo a continuidade em vez de se demarcar da gestão desastrosa da qual chegou a ensaiar críticas assertivas em alguns discursos, designadamente na disputa interna para a presidência do partido, promovendo a verdadeira renovação do seu partido para a qual tinha todas as condições, nomeadamente combatividade e juventude – tempo para esperar melhor altura de voltar e impor as suas convicções, se tivesse que bater com as portas.

O partido ainda estava vivo quando o recebeu, mas em morte lenta, em estado comatoso que ela não soube ver e muito menos, consequentemente, gerir. Faltou-lhe a visão estratégica ou, pelo contrário, houve excessiva ansiedade e ganância pelo poder? Ou ambas? E agora, só lhe resta fazer o funeral. O do partido, não o seu funeral político porque é jovem e tem pela frente um longo e promissor futuro. O primeiro passo está dado. A questão agora será sempre o timing... E as convicções!

Não obstante a soberania do povo na sua escolha, não há qualquer dúvida que o actual estado do País não é o mais conveniente para o bom funcionamento da democracia: as autarquias, o governo, o parlamento e o presidente, todos da mesma área política.

É preciso que, rapidamente, o PAICV se reestruture, interiorize a democracia e consciencialize de vez, de que não é o dono disto... Ele é necessário para a democracia se assumir verdadeiramente esta forma de ser e estar na política. Não apenas a retórica.

Na ausência de uma oposição com voz – a actual é fraca e, com poucas excepções, sem moral – impõe-se, pois uma abertura interna e alguma atenção para a crítica no seio do MpD e a afirmação de uma sociedade civil verdadeiramente empenhada e actuante.

Embora aposte que o PAICV fará precisamente o contrário, é minha opinião que devia investir em força nas presidenciais de forma a levar os seus votos à presidência e ganhar alguma legitimidade para o respaldo às suas eventuais reivindicações. Ter cuidado com o discurso nas presidenciais porque, mesmo que o eleito seja o Presidente de todos os cabo-verdianos, “só não sente quem não se sente filho de boa gente.”

O que na verdade estranha são os defensores do “partido único”, do “centralismo democrático” e da “democracia nacional revolucionária” de triste memória que nos “orientou” durante quinze (ou serão 30?) longos anos, insurgirem agora contra o actual figurino” porque, afirmam, (imagine-se!...) “os ovos estão todos no mesmo cesto”.  Convenhamos!...Nunca é tarde para se mudar de ideias. É por isso que se diz que só não muda de ideias quem as não tem.
A. Ferreira


2 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Este é um artigo que merece ser lido e comentado. Mas também, e sobretudo, aproveitado como exemplo de rigor analítico, honestidade intelectual e coerência política. Esta última faceta reconhece-se particularmente na afirmação sobre o risco que representa para a democracia a eternização no poder de qualquer partido político, ainda que por legitimação eleitoral. E também sobre o perigo de se depositarem “os ovos no mesmo cesto”, que é quando o mesmo partido ganha em todas as frentes eleitorais.
Por conseguinte, o que o articulista entende aplicável ao PAICV, é-o rigorosamente para o partido com que mais se identifica, o MpD, contrariamente, aliás, ao que o José Maria Neves pensava quando exerceu o poder durante 3 legislativas consecutivas, afirmando então que a estabilidade da democracia, e implicitamente do país, exigiam esse poder único e ininterrupto.

valdemar pereira disse...

Uma análise coerente que não pode ser considerado partidário mas sim objectivo.
Com efeito, a conversa do ex-PM é completamente contrària ao que sempre dizia JMN quando estava no poder e queria tudo para o seu partido. Agora que perdeu muda de conversa como "girouette" ou político sem estofo que muda de direcção (conversa) conforme o vento.
Estou certo que muitos gostariam de assinar o artigo mas Armindo Ferreira não hesitou em fazê-lo.

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