Em memória de um professor - uma singela homenagem –

segunda-feira, 3 de setembro de 2018


Falar de professor culto entre nós actualmente, soará ao mesmo que evocar uma “espécie em extinção,” uma “avis rara” aqui nas ilhas. A nossa outrora prestigiada classe sócio-laboral, anda hoje – no geral - mal afamada entre nós.
Ultimamente – reconheço - tenho dito muito mal dos meus actuais colegas de profissão no activo,  salvaguardando sempre as raríssimas excepções, que felizmente ainda restam. Mas de facto tenho sido  muito crítica e por alguns razões em que nelas distingo: a falta de leitura, de estudo porfiado, a ausência de cultura, ausência do saber científico e pedagógico que revelam quando se expressam publicamente e, sobretudo, o não dominarem a língua veicular do próprio ensino que é a Língua portuguesa.  Tudo isso somado e acumulado, tem resultado num enorme e calamitoso prejuízo para os alunos.
Sim, reconheço que tenho “batido” com alguma frequência nesta tecla lamentável para a classe docente no activo, em Cabo Verde. Mas que fazer? Infelizmente a realidade tem sido este quadro nada animador da escola pública cabo-verdiana.
Abro aqui um pequeno parêntese para lembrar o seguinte, antigamente o professor era entre nós considerado e com toda a naturalidade, um agente de cultura. Hoje, quem assim o denominará em sã consciência?... Fecho o parêntese.
Ora, bem ao contrário, o professor a quem dedico este escrito, era exactamente a antítese daquilo que foi referido nos parágrafos acima.
 Esta minha singela homenagem é dirigida à memória de Carlos Alberto Mendes Fonseca, que foi professor do Liceu da Praia. Aposentado e recentemente falecido.
Beto, assim o chamávamos carinhosamente, familiares e amigos mais chegados, pertencia ao tipo de professor sabedor e erudito na disciplina que ministrou ao longo da vida, no caso, Geografia.
Fazem unanimidade os testemunhos de antigos alunos, sobre a forma como o professor lhes explicava os conceitos geográficos de cada ponto programático da disciplina.
Contou-me uma colega e também familiar do Beto que este era muito cuidadoso nas revisões que fazia e que uma ocasião lhe pedira para rever (o português) de  um texto sobre matéria histórica que ela escrevera. Quando vai reaver o seu trabalho, ela encontrou o Beto com vários dicionários abertos, entre eles o de Latim, pois assim melhor corrigiria o escrito. Assim era este professor, cuidadoso e estudioso.
 Bom comunicador nas aulas, Beto Fonseca era tido pelos seus alunos, como rigoroso e assertivo nas suas explicações, e alguém que procurava aprofundar os conceitos explicados indo até ao étimo latino ou grego  de onde provinham os vocábulos que enformavam o conceito que ele queria transmitir à turma.
Dizia-me a minha filha, sua antiga aluna e recordando o querido professor de Geografia, dizia ela que de entre muitas outras definições e conceitos geográficos que aprendera nas aulas de Geogrfia, uma delas -recorda com graça - foi a de pronunciar Florida, sem  articular de forma esdrúxula, o nome daquele estado norte-americano, pois aprendera com o professor de que antes de os ingleses tomarem conta dos Estados Unidos, já os espanhóis haviam-no baptizado como “Florida” e não “Flórida”. Pequenas coisas embora, no entanto  reveladoras do cuidado e da minúcia histórica, geográfica  que ele punha nas suas explicações.
Comigo, sua prima, amiga e colega, tínhamos ele e eu, implicitamente (um não dito, mas sabido por ambos) uma espécie de fraterna competição e/ou desafio semântico, quando nos encontrávamos (com muito menos frequência do que aquela por nós certamente desejada) que era qual de nós se expressava  melhor, indo  ao termo mais correcto e à variante mais culta das palavras que no contexto da nossa conversa surgiam. Um jogo divertido e antigo que fazia parte de uma espécie de rememorar, um tempo antigo da nossa  convivência ainda adolescentes.
  Normalmente o Beto levava-me os pontos...
Aliás, quando com ele dialogava, sabia eu que ele estava sempre certo quanto à precisão contextual de cada vocábulo ou semantema trazido à conversa.
 Os amigos, os familiares dele ressaltam as qualidades de um ser sem artificialismos, naturalmente muito correcto, gentil, estóico e sempre calmo nas suas explanações e nos diálogos entre amigos.
  Luís Fonseca, escreveu um texto na rede social,  com o título:“Na despedida de um amigo...” Com efeito, amizade de longa data, Luís Fonseca guarda dele esta memória que é também nossa e que aqui tomo a liberdade de a transcrever:
“ ...um dos seus traços mais marcantes era a enorme bondade do seu ser, a sua calma e atenção para com as pessoas, uma capacidade fora de comum de suportar situações difíceis, a sua profunda afeição para com os amigos.”
 Na mesma linha, e bem achadas para rematar este escrito sobre Beto Fonseca, foram as palavras do nosso amigo e colega, Óscar Ribeiro. Palavras emblematicamente simples e criteriosamente definidoras do perfil de Carlos Alberto Mendes Fonseca: “...dedicação, trabalho, seriedade e honestidade, levas contigo...”
Até sempre, querido Primo! Lá iremos ter todos. Apenas uma questão de vez.



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