Falar
de professor culto entre nós actualmente, soará ao mesmo que evocar uma
“espécie em extinção,” uma “avis rara” aqui nas ilhas. A nossa outrora
prestigiada classe sócio-laboral, anda hoje – no geral - mal afamada entre nós.
Ultimamente
– reconheço - tenho dito muito mal dos meus actuais colegas de profissão no
activo, salvaguardando sempre as
raríssimas excepções, que felizmente ainda restam. Mas de facto tenho sido muito crítica e por alguns razões em que nelas distingo: a falta de leitura, de
estudo porfiado, a ausência de cultura, ausência do saber científico e
pedagógico que revelam quando se expressam publicamente e, sobretudo, o não
dominarem a língua veicular do próprio ensino que é a Língua portuguesa. Tudo isso somado e acumulado, tem resultado
num enorme e calamitoso prejuízo para os alunos.
Sim,
reconheço que tenho “batido” com alguma frequência nesta tecla lamentável para
a classe docente no activo, em Cabo Verde. Mas que fazer? Infelizmente a
realidade tem sido este quadro nada animador da escola pública cabo-verdiana.
Abro
aqui um pequeno parêntese para lembrar o seguinte, antigamente o professor era
entre nós considerado e com toda a naturalidade, um agente de cultura.
Hoje, quem assim o denominará em sã consciência?... Fecho o parêntese.
Ora,
bem ao contrário, o professor a quem dedico este escrito, era exactamente a
antítese daquilo que foi referido nos parágrafos acima.
Esta minha singela homenagem é dirigida à memória
de Carlos Alberto Mendes Fonseca, que foi professor do Liceu da Praia.
Aposentado e recentemente falecido.
Beto,
assim o chamávamos carinhosamente, familiares e amigos mais chegados, pertencia
ao tipo de professor sabedor e erudito na disciplina que ministrou ao longo da
vida, no caso, Geografia.
Fazem
unanimidade os testemunhos de antigos alunos, sobre a forma como o professor
lhes explicava os conceitos geográficos de cada ponto programático da
disciplina.
Contou-me
uma colega e também familiar do Beto que este era muito cuidadoso nas revisões
que fazia e que uma ocasião lhe pedira para rever (o português) de um texto sobre matéria histórica que ela
escrevera. Quando vai reaver o seu trabalho, ela encontrou o Beto com vários
dicionários abertos, entre eles o de Latim, pois assim melhor corrigiria o escrito.
Assim era este professor, cuidadoso e estudioso.
Bom comunicador nas aulas, Beto Fonseca era
tido pelos seus alunos, como rigoroso e assertivo nas suas explicações, e
alguém que procurava aprofundar os conceitos explicados indo até ao étimo
latino ou grego de onde provinham os
vocábulos que enformavam o conceito que ele queria transmitir à turma.
Dizia-me
a minha filha, sua antiga aluna e recordando o querido professor de Geografia,
dizia ela que de entre muitas outras definições e conceitos geográficos que
aprendera nas aulas de Geogrfia, uma delas -recorda com graça - foi a de
pronunciar Florida, sem articular de
forma esdrúxula, o nome daquele estado norte-americano, pois aprendera com o
professor de que antes de os ingleses tomarem conta dos Estados Unidos, já os
espanhóis haviam-no baptizado como “Florida” e não “Flórida”. Pequenas coisas
embora, no entanto reveladoras do
cuidado e da minúcia histórica, geográfica
que ele punha nas suas explicações.
Comigo,
sua prima, amiga e colega, tínhamos ele e eu, implicitamente (um não dito, mas
sabido por ambos) uma espécie de fraterna competição e/ou desafio semântico,
quando nos encontrávamos (com muito menos frequência do que aquela por nós
certamente desejada) que era qual de nós se expressava melhor, indo
ao termo mais correcto e à variante mais culta das palavras que no
contexto da nossa conversa surgiam. Um jogo divertido e antigo que fazia parte
de uma espécie de rememorar, um tempo antigo da nossa convivência ainda adolescentes.
Normalmente o Beto levava-me os pontos...
Aliás,
quando com ele dialogava, sabia eu que ele estava sempre certo quanto à precisão
contextual de cada vocábulo ou semantema trazido à conversa.
Os amigos, os familiares dele ressaltam as
qualidades de um ser sem artificialismos, naturalmente muito correcto, gentil,
estóico e sempre calmo nas suas explanações e nos diálogos entre amigos.
Luís
Fonseca, escreveu um texto na rede social, com o título:“Na despedida de um amigo...” Com
efeito, amizade de longa data, Luís Fonseca guarda dele esta memória que é
também nossa e que aqui tomo a liberdade de a transcrever:
“ ...um dos seus traços
mais marcantes era a enorme bondade do seu ser, a sua calma e atenção para com
as pessoas, uma capacidade fora de comum de suportar situações difíceis, a sua
profunda afeição para com os amigos.”
Na mesma linha, e bem
achadas para rematar este escrito sobre Beto Fonseca, foram as palavras do
nosso amigo e colega, Óscar Ribeiro. Palavras emblematicamente simples e
criteriosamente definidoras do perfil de Carlos Alberto Mendes Fonseca: “...dedicação, trabalho, seriedade e
honestidade, levas contigo...”
Até sempre, querido Primo! Lá iremos ter todos. Apenas uma
questão de vez.
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