Oficialização do crioulo – Uma bandeira a meia haste

domingo, 15 de novembro de 2009
Estarão com certeza admirados de eu abordar este tema no blogue da Ondina. Parecer-vos-á, com certeza, uma temeridade, uma ousadia, ou mesmo um atrevimento.
Acontece que tenho fortes razões para o fazer. Referir-me-ei apenas a algumas: a primeira é que a Ondina se recusa a abordar o crioulo fora do contexto do bilinguismo com alegações várias – conheço-as e entendo-as - deixando-me por isso espaço para o fazer; a segunda é que a língua não é nem de longe nem de perto propriedade exclusiva dos linguístas; a terceira, é que a língua é, efectivamente, preocupação daqueles que a falam sendo intrinsecamente um meio e não um fim, desde imemoráveis tempos bíblicos da Torre de Babel; e, finalmente, the last but not the least, o recente chumbo político de que a oficialização do crioulo foi alvo na Assembleia Nacional.
A oficialização do crioulo é um tema polémico que de per si divide a sociedade cabo-verdiana independentemente do posicionamento político-partidário ou da ideologia. Há defensores e opositores em todos os quadrantes. Os argumentos de uns e de outros são vários. A meu ver a sua sustentação económica não encontra resposta nem nos seus defensores mais acérrimos arriscando-se por isso a não passar da letra de lei se, por acaso, fosse oficializado. É um "capricho" de países ricos. E se para a sua funcionalidade fosse necessário estender a mão então deixaria de ser um orgulho nacional para ser a mais vergonhosa das vaidades. Aliás, não é só vaidade, é também egoísmo e algum oportunismo e não sou eu quem o diz. É precisamente Amílcar Cabral que o deixa entender quando afirma:

"(…) Há pessoas que querem que ponhamos de lado a língua portuguesa, porque somos africanos e não queremos a língua de estrangeiros. Eles querem é avançar a sua cabeça, não é o seu povo que querem avançar». (…) Se quisermos levar para frente o nosso povo, durante muito tempo ainda, para escrevermos, para avançarmos na ciência, a nossa língua tem que ser o português"

O Governo ao transformar a oficialização do crioulo num desígnio nacional, na sua bandeira política para toda a legislatura, foi muito imprudente e, de caminho, manifestou alguma dose de arrogância. Esqueceu-se que a sua maioria não lhe permitia mexer na Constituição. Confundiu a adopção de um alfabeto com a oficialização tácita da língua que ele suporta literariamente. Só que crioulo como língua latina que é, Mário Fonseca disse-o, tinha já subjacente um alfabeto que foi sempre usado e que permitiu e permite que lêssemos Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, B. Leza, Kaoberdiano Dambará, Manual d’Novas e outros sem quaisquer problemas quer de dicção quer de interpretação. O que o ALUPEC fez, e perdoem-me os seus defensores, foi tirar a alma ao crioulo. O que é que Kabral, Karlus, Kabra, Kongu, Kamiñu diz a um leitor (não ouvinte) comum cabo-verdiano? Segundo o grande F. Pessoa (e não era preciso ser ele a dizê-lo) qualquer idioma:

concentra em si, instintiva e naturalmente, um conjunto de tradições, de maneira de ser e de pensar, uma história e uma lembrança, um passado morto que só nele pode reviver”.

A grafia tem de traduzir estes sentimentos. Mas são estes, precisamente, os atributos do crioulo que o ALUPEC destrói: tradição, história e passado.
É interessante registar que não se cansam de apontar o grande Mestre B. Lopes da Silva quando ele conclui que para o estabelecimento de um padrão para o crioulo literário, o de Sotavento, com destaque para o de Santiago, é o que apresenta melhor performance mas olvidam-no completamente quando no mesmo documento diz:

Não valerá a pena elaborarmos um sistema ortográfico autónomo, bastando-nos adoptar a ortografia da língua portuguesa, visto que esta não se afasta, em quase ponto nenhum, da oralidade crioula, que o esquema ortográfico se destinará a traduzir.”

Tanto quanto sei, a oficialização do crioulo ficou na Comissão Especializada com o voto contra da UCID e a abstenção (táctica) do MpD. A Imprensa por razões que desconhecemos praticamente se calou. É certo que a não aprovação na Comissão Especializada não significa um chumbo definitivo mas, por tradição a proposta que não tiver passado na especialidade não se leva à plenária. A menos que um volte-face se verifique.
E é nesta linha que se chegou a falar na negociação do “C” com “K”. Presumo que não seja mais do que um rumor, um boato. É ridículo ou surrealista de mais para se crer.Com a votação da UCID e do MpD prevaleceu o bom-senso. Até alguns (não poucos) paicvistas aplaudem.
Não sei para quê tanta pressa com a oficialização do crioulo. A polémica divertiu-nos – de uma manobra de diversão também se tratava - durante todo este tempo desviando-nos dos verdadeiros problemas do País.
Os que tão bem souberam escrever o crioulo não precisaram de o aprender em nenhuma escola nem utilizar qualquer alfabeto alternativo. É preciso ter plena consciência que o crioulo termina, para fins oficiais, quando entramos no avião. Isto sem esquecer aqueles que lá fora dele vivem, em países que em vez de promover a integração fomentam, com a nossa ajuda, a guetização – as tais chamadas minorias (socialmente estigmatizadas).
Mas a ironia do destino é que em vez do PAICV que se arroga como herdeiro – só quando lhe interessa – do património político de Amílcar Cabral, são a UCID e o MpD que neste particular se apresentam como os guardiães dos seus desígnios.
A. Ferreira

1 comentários:

Anónimo disse...

Não vamos nos esquecer que a primeira lingua que estas ilhas ouviram e utilizaram foi o Português. Por outro lado, os senhores (políticos e não linguistas) que hoje defendem a oficialiazação do crioulo, aprenderam este atraves...do Português.São exactamente estes senhores que em tempo de enganação(campanhas) falam o crioulo e qunado estão já no poder e apresentam o Plano do Governo, o Orçamento, o discurso de romada de posse...em Português.É mesmo de comentar: há coisas fantasticas, não é?

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