Ler Agustina Bessa-Luís é sempre um prazer renovado.
Isto dito assim, serve-me de pretexto, não para falar do último livro desta imensa e excelente autora portuguesa – de uma escrita profundamente reflectida e filosófica – mas sim, para trazer aqui o que me fica da revisitação feita, volta que não volta, aos romances dela.
Desta feita a vez coube ao «O Princípio da Incerteza – Jóia de Família» editada em 2001.
Um fabuloso enredo, um luxo de recriação sociológica da região e da cidade do Porto, e uma extraordinária capacitação psicológica conseguida na construção comportamental das personagens que a intriga do livro comporta e que deixa o leitor extasiado.
A verdade é que a tensão, a polifonia e a dramaticidade desta narrativa adensa-se, aprofunda-se também, à medida que se dão os encontros e o conhecimento mais completos do leitor com toda a panóplia bem urdida das acções e das personagens do livro.
Um pouco na esteira daquilo de que ela mune muitos dos seus romances, a autora reconstituiu também neste, memórias – ficcionando-as é certo – memórias de um tempo histórico em que o passado ganha maior espaço, num Porto cheio de brios, de tradições, de secretismos, do insinuado (nas falas das personagens) mais do que o enunciado; dos seus sítios, das suas quintas e dos altos muros que protegem a sua gente. Alguma, de ascendência afidalgada; outra parte, burguesa abastada em vinhas e em culturas agrícolas; outra ainda, industrial e industriosa, de fábricas prósperas algumas e também dona de algumas decadentes; e também de homens e de mulheres do povo pobres do Douro imenso, em que alguns destes últimos reconhecem e distinguem nos seus patrões aqueles que são ou não, possuidores daquilo que definem como uma alma cívica e de valores (…).
Sobre a cidade informa-nos o narrador do romance: «Conhecer o Porto não é coisa de agências de viagens. Nem de escritores também, Camilo Castelo Branco fez muito mal ao Porto mostrando-o como uma fortaleza de brasileiros e um alegrete de mulheres vestidas de seda cor de pulga e apaixonadas por uma sobrecasaca. Não é assim…O Porto teve cidadelas, bairros, demarcações e verdadeiros círculos de cultura (…)»
Trata-se de uma história de “procura de caminhos na vida,” de maldição, de expiação, de redenção, de amor/desamor/ódio, de paixões, de vícios, de lealdade por vezes canina, por que passam as diversas personagens que encarnam as diferentes franjas sociais da cidade e dos seus arredores.
A família como esteio social mais forte, para o bem e para o mal, da sociedade nortenha no geral, e portuense em particular, simboliza quase sempre na obra de Agustina e com muita acuidade em «O Princípio da Incerteza – Jóia de Família» – tal como o fora em «Os Meninos de Ouro» «A Corte do Norte», «Vale Abraão» ou, mesmo anteriormente, em «Sibila» – o que de mais telúrico, de mais permanente e de mais transcendente, urde e cimenta a narrativa desta autora.
E muitas vezes, são elas, as famílias, as verdadeiras detentoras de poder na sua globalidade e do Poder na sua especificidade político/económico.
Tanto assim é, que mais do que o protagonismo singularizado nas personagens: António Clara, Camila, Vanessa, Touro Azul, ou na perspicaz governanta Celsa Adelaide. É o colectivo familiar de cada uma delas (os Matos Albergaria, os Roper, os Aurelianos) é que, de facto, protagoniza o romance.
Para além disso, e sobre tudo o resto, Agustina sabe contar história (s) de forma enleada, entretecida em sequências que prendem, seduzem e encantam o seu leitor.
No fundo, os livros de Agustina Bessa-Luís “assumem” em pleno, “a atitude narrativa” - como caracteriza Maria Alzira Seixo, conhecida ensaísta portuguesa – da verdadeira história ficcional.
Foi desta plena e assumida atitude e construção narrativa que emergiu: «O Princípio da Incerteza – Jóia de Família» o livro de Bessa-Luís que voltei a ler com redobrado prazer.
1 comentários:
Somos tao poucos ja e tempo de acabar com esses vandalos que pululam a nossa cidade, o triste e que todos sabemos quem e quem, e o medo ou seja sabemos de quem sao filhos, de nossos amigos (as), visinhos parente e ficamos calado ou seja coniventes enquanto a tristeza ou azar nao nos bater a porta
P Moreira Brockton
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