O FUNAMBULISMO GOVERNATIVO

segunda-feira, 24 de junho de 2013
É obrigação de qualquer governante ter uma mensagem de esperança e de confiança. Mas esperança e confiança não significam mentira e ilusão.
 
Quando se ouve o nosso primeiro-ministro vangloriar-se de que Cabo Verde será um país desenvolvido em 2030, isto é, dentro de década e meia, pasmamo-nos com tamanha temeridade na proporção exacta de nos questionarmos não só sobre os dados que só ele detém e ninguém mais conhece como da necessidade dessas afirmações, fúteis e gratuitas para além de inoportunas, num momento de crise generalizada.
Ninguém lhe irá pedir contas sobre aquilo que irá acontecer no ano 2030. Ele sabe-o bem. Nem se espera, embora se deseje, que neste particular, fosse um Nostradamus. O que se pretende, e bem nos bastava, é que ele fizesse o seu mandato com honestidade, seriedade e alguma competência, o que não tem, de todo, acontecido. Que tome consciência do tempo presente que vivemos que convida a uma profunda reflexão e alguma contenção nas palavras e nos actos.
 
Depois do conhecimento dos documentos do Banco Central e do FMI a inquietação é o sentimento que ocupa integralmente a nossa mente.
O discurso triunfalista e arrogante em dissonância absoluta com o País real que ao longo de toda a sua existência de estado soberano nunca produziu o suficiente para viver – todos os orçamentos, sem qualquer excepção, foram co-financiados por instituições ou países estrangeiros – não deveria ser produzido sem se analisar correcta e criteriosamente a nossa classificação de país de desenvolvimento médio – porque é que o somos, como lá chegamos e como o sustentamos. Os resultados a estas análises talvez nos levassem para uma realidade que não é seguramente aquela que o PM ufana ofendendo todos aqueles que com alguma renúncia e sofrimento dos respectivos povos ainda nos ajudam.
 
Com a mão sempre estendida a pedir, devíamos ter mais cuidado com os nossos doadores demonstrando com atitudes e comportamentos os nossos agradecimentos e também compreensão pelos sacrifícios que os seus povos fazem para nos ajudar e se solidarizarem.
Perante as previsões verdadeiramente inquietantes do BCV, as elevadas taxas de desemprego, a desaceleração da economia, o aumento da inflação baixando o poder de compra dos cidadãos, o eventual crescimento negativo do PIB, o PM responde dizendo que respeita as previsões do BCV e que vai trabalhar “para que essa previsão não se transforme na realidade dos factos”.
 
Acresce ainda que a nossa dívida global, empresa públicas inclusive, designadamente, TACV e Electra, é, com todo o respeito pela douta e abalizada mas isolada opinião da Ministra das finanças em considerá-la sustentável, incomportável para a nossa produtividade. Mesmo que assim seja a nossa capacidade de endividamento é verdadeiramente reduzida.
O que admira e nos deixa perplexo é o facto do autismo do PM e a navegação à vista do seu Governo que não se compagina com o perfil técnico da sua ministra das finanças, não ter permitido antecipar às conclusões do BCV e tomar medidas no seu mais importante instrumento de políticas – o orçamento do estado – que mitiguem e reflectem as perturbantes previsões e conjecturas do BCV e do FMI. Governar bem é adiantar-se aos acontecimentos e às circunstâncias.
 
As previsões são isso mesmo: previsões. Nada mais! Os comentários do PM em como não se podiam transformar as projecções em dados macroeconómicos sendo “lapalicianas” reflectem isso mesmo. Mas apesar disso, nenhum país, nenhum governo, nenhuma instituição financeira prescinde delas.
O que se esperava de um governo sério e atento e de um PM minimamente competente é que dissesse “não concordo com elas. As nossas (as previsões) apontam para outros valores e não há razões para os alterar” e os indicava. Ou então, “as previsões do BCV já se encontram reflectidas no Orçamento do Estado”. Dizer apenas que ia trabalhar “para que essa previsão não se transforme na realidade dos factos” o que sendo um gesto de aparente humildade intelectual é, também, sinal inequívoco de que o orçamento do estado não fora elaborado sob estas bases o que também relega para mais explicações sobre as eventuais derrapagens e as medidas a tomar.
 
Mas inquietante e perturbante também é o facto de não se vislumbrar um movimento, um gesto, um comportamento, uma atitude da parte do PM que se oriente na concretização das suas palavras.
O esbanjamento continua com viagens – uma parte bem significativa – meramente recreativas a todos os níveis, ministérios virtuais porque desnecessários e inseridos numa estrutura sobredimensionada, e infra-estruturação eleitoralista porque não prioritária sobretudo em circunstâncias de exagerado endividamento e a maior parte – das infra-estruturas – de reduzidíssima taxa de rendibilidade interna, o afundanço do importante sector da construção civil gerador de empregos.
 
Longe vão as promessas do desemprego a um dígito apesar da sua criatividade estatística, do crescimento a dois dígitos, ou do 13º mês. Isto sem mencionar o perigo que corre o Acordo Cambial com os elevados e continuados défices orçamentais.
Os actuais e contínuos atrasos nos pagamentos aos reformados e pensionistas, coisa nunca dantes vista, mesmo nos piores momentos do País e com a extensão e solidez que se estão a configurar, é sinal inequívoco de que as coisas não vão bem.
 
Por isso basta de triunfalismos pueris e bacocos e de mentiras impiedosas e maquiavélicas. Basta de torturar os números para que falem de acordo com as conveniências. Temos todos, o direito de saber com realismo a quantas andamos. E pelo andar da carruagem, é (era) já tempo de apertar o cinto. O Governo que dê o pontapé de saída.
A. Ferreira

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