AS “TRUMPALHADAS” DA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL AMERICANA

domingo, 13 de novembro de 2016
       Penso que na história social dos EUA não há memória do que se viu no “day after” à eleição do novo presidente do país. Com efeito, manifestações ruidosas e atrabiliárias ocorreram em algumas cidades, contestando a eleição de Donald Trump, como que a confirmar o velho adágio: quem semeia ventos colhe tempestades.
     Posto isto, muitos perguntarão o que irá agora na cabeça do próximo inquilino da Casa Branca, quando, uma vez eleito, parece forçar sinais de um comportamento diferente do estilo belicoso, boçal, reles e ordinário que caracterizou a sua campanha eleitoral. De facto, e na aparência, é como se o leão se tenha de repente convertido em cordeiro. Será então caso para indagar o que há de verdade e autêntico no comportamento de Donald Trump. Ele é o rufião da campanha eleitoral ou é o homem que, num ápice, muda a sua pose por finalmente tomar consciência da realidade e da tremenda responsabilidade do cargo para que foi eleito?
     Ora, não é crível que alguém, ainda mais aos setenta anos, mude de personalidade e de carácter, a não ser por conveniência táctica. Por isso, quando, em súbita pirueta, Trump exterioriza um ar mais apaziguado e compõe um estilo mais contemporizador, reluzindo de urbanidade, pergunta-se se não estamos perante alguém com dotes de actor. Sendo assim, forçoso é reconhecer que o homem não será destituído de astúcia política, como se poderia supor, o que, paradoxalmente, deita por terra a ideia de um estilo populista puro e duro. Vendo a coisa pelo viés da sociologia política, direi, especulando obviamente, que na campanha eleitoral o Trump pode ter usado o tom e o modo que julgava adequados para conquistar o eleitorado que lhe interessava. Ou seja, o eleitorado WASP (branco, anglo-saxónico e protestante) das classes média e média-baixa, visando nomeadamente as cidades industriais decadentes e o mundo rural. Sem este estratagema, moldado pela astúcia e pelo cálculo, fica a dúvida se ele teria conseguido atrair aquele sector da sociedade que foi seguramente decisivo na sua vitória. Caber-lhe-á agora arranjar expedientes para não defraudar aquele segmento social, sem que o que será muito curto o seu estado de graça.
     Isto porque, colocado agora frente à realidade fria dos factos e das circunstâncias, deve estar a passar em revista as promessas eleitorais proclamadas alto e bom som. Sentirá um frio percorrer-lhe a espinha quando pensa na promessa de dar uma machadada na globalização com a taxação substancial dos produtos importados da China e da Europa, sabendo como sabe que aquele país detém a dívida federal dos EUA, de mais de 1 trilião de dólares? Estará a meditar na promessa de retrair a intervenção do seu país como polícia do mundo (NATO), quando sabe que esse papel é indissociável da prosperidade da indústria de guerra americana? Estará a medir o alcance efectivo da sua promessa de maciço investimento público no país, sabendo de antemão que uma medida de natureza keynesiana não se quadra a uma economia aberta e autónoma a nível da política monetária? Isto só para referir três medidas emblemáticas porque outras que foram anunciadas não deixarão de implicar fortemente com a realidade social americana.
      É óbvio que um empresário da estirpe do Trump só pode ter triunfado no mundo de negócios graças ao comportamento racional e não à atitude impulsiva, epidérmica e errática. Assim, quando acusou a candidata opositora de pertencer ao “sistema”, surpreende que a denúncia seja feita por um grande tubarão como ele, já que uma economia genuinamente liberal como a americana não deixa de se entrelaçar na rede dos interesses políticos. De duas uma, ou ele leva até ao fim o seu papel de “outsider” ou não demorará a ser engolido pela dinâmica natural do “establishment” social e política que ele verbera e considera responsável pelo esmaecimento da grandeza do seu país. Seja como for, a grande novidade é este caso de populismo ser personificado por um homem da origem e estatuto social de Trump, ao contrário de outros casos que a História regista. Mas a verdade é que, mesmo que venha a verificar-se uma cambalhota espalhafatosa no seu trajecto, o “fenómeno” Trump não vai deixar de ter repercussões no mundo, a começar pela Europa, em que despontam candidatos do mesmo estilo à espera de subir ao proscénio do populismo. É o Beppe Grillo na Itália, é a Marine Le Pen na França, e são outras mais tendências preocupantes no xadrez político de outros países da Europa, incluindo a Alemanha.
     No entanto, e apesar de tudo, é possível que o Donald Trump não venha a comportar-se como um elefante numa loja de porcelanas. Admite-se que as oligarquias tradicionais do partido Republicano possam, preventivamente, domesticar o animal, segurando-lhe a tromba para evitar que faça estragos irreparáveis. Mas será sempre um “case study” saber como este tipo de populismo vai evoluir numa democracia experimentada e sólida como a americana. Não é fácil adiantar vaticínios, mas, para já, nem tudo será negativo se o Trump representar uma pedrada nesse charco que é globalização desregulada, obrigando a um reacerto das suas regras.
 Tomar, 12 de Novembro de 2016

Adriano Miranda Lima

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