Posto isto, muitos
perguntarão o que irá agora na cabeça do próximo inquilino da Casa Branca, quando,
uma vez eleito, parece forçar sinais de um comportamento diferente do estilo
belicoso, boçal, reles e ordinário que caracterizou a sua campanha eleitoral.
De facto, e na aparência, é como se o leão se tenha de repente convertido em
cordeiro. Será então caso para indagar o que há de verdade e autêntico no comportamento
de Donald Trump. Ele é o rufião da campanha eleitoral ou é o homem que, num
ápice, muda a sua pose por finalmente tomar consciência da realidade e da tremenda
responsabilidade do cargo para que foi eleito?
Ora, não é crível
que alguém, ainda mais aos setenta anos, mude de personalidade e de carácter, a
não ser por conveniência táctica. Por isso, quando, em súbita pirueta, Trump exterioriza
um ar mais apaziguado e compõe um estilo mais contemporizador, reluzindo de urbanidade,
pergunta-se se não estamos perante alguém com dotes de actor. Sendo assim,
forçoso é reconhecer que o homem não será destituído de astúcia política, como
se poderia supor, o que, paradoxalmente, deita por terra a ideia de um estilo
populista puro e duro. Vendo a coisa pelo viés da sociologia política, direi,
especulando obviamente, que na campanha eleitoral o Trump pode ter usado o tom
e o modo que julgava adequados para conquistar o eleitorado que lhe
interessava. Ou seja, o eleitorado WASP (branco, anglo-saxónico e protestante)
das classes média e média-baixa, visando nomeadamente as cidades industriais
decadentes e o mundo rural. Sem este estratagema, moldado pela astúcia e pelo
cálculo, fica a dúvida se ele teria conseguido atrair aquele sector da
sociedade que foi seguramente decisivo na sua vitória. Caber-lhe-á agora
arranjar expedientes para não defraudar aquele segmento social, sem que o que
será muito curto o seu estado de graça.
Isto porque,
colocado agora frente à realidade fria dos factos e das circunstâncias, deve
estar a passar em revista as promessas eleitorais proclamadas alto e bom som. Sentirá
um frio percorrer-lhe a espinha quando pensa na promessa de dar uma machadada
na globalização com a taxação substancial dos produtos importados da China e da
Europa, sabendo como sabe que aquele país detém a dívida federal dos EUA, de
mais de 1 trilião de dólares? Estará a meditar na promessa de retrair a
intervenção do seu país como polícia do mundo (NATO), quando sabe que esse
papel é indissociável da prosperidade da indústria de guerra americana? Estará
a medir o alcance efectivo da sua promessa de maciço investimento público no
país, sabendo de antemão que uma medida de natureza keynesiana não se quadra a
uma economia aberta e autónoma a nível da política monetária? Isto só para
referir três medidas emblemáticas porque outras que foram anunciadas não
deixarão de implicar fortemente com a realidade social americana.
É óbvio que um empresário da estirpe do Trump só
pode ter triunfado no mundo de negócios graças ao comportamento racional e não
à atitude impulsiva, epidérmica e errática. Assim, quando acusou a candidata
opositora de pertencer ao “sistema”, surpreende que a denúncia seja feita por
um grande tubarão como ele, já que uma economia genuinamente liberal como a
americana não deixa de se entrelaçar na rede dos interesses políticos. De duas
uma, ou ele leva até ao fim o seu papel de “outsider” ou não demorará a ser
engolido pela dinâmica natural do “establishment” social e política que ele
verbera e considera responsável pelo esmaecimento da grandeza do seu país. Seja
como for, a grande novidade é este caso de populismo ser personificado por um
homem da origem e estatuto social de Trump, ao contrário de outros casos que a
História regista. Mas a verdade é que, mesmo que venha a verificar-se uma
cambalhota espalhafatosa no seu trajecto, o “fenómeno” Trump não vai deixar de
ter repercussões no mundo, a começar pela Europa, em que despontam candidatos
do mesmo estilo à espera de subir ao proscénio do populismo. É o Beppe Grillo
na Itália, é a Marine Le Pen na França, e são outras mais tendências
preocupantes no xadrez político de outros países da Europa, incluindo a
Alemanha.
No entanto, e
apesar de tudo, é possível que o Donald Trump não venha a comportar-se como um
elefante numa loja de porcelanas. Admite-se que as oligarquias tradicionais do
partido Republicano possam, preventivamente, domesticar o animal, segurando-lhe
a tromba para evitar que faça estragos irreparáveis. Mas será sempre um “case
study” saber como este tipo de populismo vai evoluir numa democracia
experimentada e sólida como a americana. Não é fácil adiantar vaticínios, mas,
para já, nem tudo será negativo se o Trump representar uma pedrada nesse charco
que é globalização desregulada, obrigando a um reacerto das suas regras.
Adriano Miranda Lima
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