Não faltam análises a denunciar a má
qualidade da nossa comunicação social na actualidade. Na verdade, sobram razões
para destratar os media nestes tempos
em que o vale tudo serve para disputar o mercado.
Certo tipo de televisão está a tornar-se
um autêntico agente de intoxicação mental. Os canais generalistas inundam-nos
com programas recreativos decalcados do mesmo modelo rasca e repetitivo. Anos a
fio o fazem. “Entertainers” de rasa cultura, mais palhaços de rua que
profissionais de televisão, contudo destoando dos palhaços por não terem graça
nenhuma, saturam-nos diariamente em longos horários matutinos e vespertinos com
uma mistela de pseudo espectáculo de variedades, concursos e vulgaridades que
muitas vezes roçam a ordinarice e a abjecção. Não adianta fazer zapping que o
lixo é o mesmo. É evidente que há escapatória para quem dispõe dos canais da TV
Cabo ou tem outras opções lúdicas e recreativas. Mas pobres dos velhos
reformados e de magros recursos, faixa considerável da população que fica à
mercê de tamanho atentado à inteligência e ao bom gosto!
O mesmo é falar do chamado horário nobre
(entre o telejornal e a meia-noite). A chapa é rigorosamente igual entre os
três canais generalistas. Não há alternativa. Telenovelas, concursos ou
“realities shows”, ou então uma que outra série de ficção, não raro sobre temas
em que predomina a violência e a sordidez do comportamento humano, pouco espaço
sobrando para programas culturais, educativos e formativos, que deviam, esses
sim, justificar a dita nobreza do horário.
Relativamente aos telejornais emitidos
pelos canais em causa, o modo, o estilo e o timbre são rigorosamente iguais.
Hoje em dia, quase que se tornaram dispensáveis os telejornais porque normalmente
são caixa-de-ressonância das notícias que foram sendo repetidas ao longo do dia
nos canais de especialidade informativa (RTP 3, SIC, TVI24 e CMTV). Por isso, a
não ser que alguma figura pública seja eventualmente convidada para comentar os
conteúdos noticiosos, assistir aos telejornais é um exercício de “déjà vu”. Mas
inacreditável é quando a notícia já tratada em dias transactos é apresentada como
se dada em primeira mão. Outro incómodo intolerável é o excesso de intervalos,
sempre longos, para publicidade, muitas vezes decorridos apenas dois minutos
depois de iniciado o serviço. Perante este cenário deprimente, actualmente não
vejo os telejornais em directo. Só depois de transmitidos, com recurso ao processo
de gravação automática. É a maneira de reduzir o tempo do telejornal a uns
escassos 10 ou 15 minutos, alijado da ganga inútil, notícia enjoativamente
repetida e publicidade.
Escusado é falar nos programas em que se
discute futebol porque esses deviam suscitar uma insurreição nacional. O objectivo
desses programas não é o futebol como desporto e espectáculo recreativo, é
explorar o lado javardo e indigno da natureza humana. O futebol, de que sou
adepto, não tem culpa dos que dele se aproveitam para fins pouco recomendáveis.
Mas valha a verdade dizer que alguns debates televisivos entre políticos pouco diferem
em elevação e correcção.
Seria ocioso, e talvez pouco avisado, ocupar
o pouco espaço desta crónica com uma incursão na imprensa escrita. Mas a
extrapolação que me proponho nesta crónica não dispensa falar do diário de
maior tiragem na nossa imprensa escrita. Há nesse diário uma exploração “ad
nauseam” da morbidez, do voyeurismo, da insinuação, do intriguismo, da
denúncia, do instinto de abutre, do justicialismo primário, as mais das vezes
com recurso a informações que fogem inexplicavelmente ao domínio de quem as
devia guardar em segredo, o que é mais grave quando se trata de órgãos da
Justiça. Esse jornal enche as suas páginas de criminalidade de toda a sorte,
acidentes de viação, casos de pedofilia, violações sexuais, violência doméstica
e outros derivados da degenerescência da natureza humana. O objectivo é mais explorar
comercialmente o “voyeirismo” e o sensacionalismo do que informar por informar.
Por exemplo, que interesse tem saber diariamente que a “Miss Bumbum” andou
atrás do Cristiano Ronaldo ou que este tem um caso com esta e aquela? Citar Cristiano
Ronaldo é como citar qualquer desses cidadãos ou cidadãs que enchem as páginas
finais do jornal em apreço, regra geral pessoas de fraco ou nenhum calibre
social e cultural, que estão longe de constituir exemplos de cidadania.
A técnica do jornal é habilmente congeminada:
notícias curtas, doseadas e variadas dentro da temática preferida, no entanto
entremeadas com curtos e bons artigos de colunistas de mérito reconhecido e que
assim lhe emprestam, talvez acriticamente, uma suposta credibilidade. É um facto
que o jornal tem sucesso. Todavia, tal só poderia ser objecto de gratificação e
reconhecimento públicos se o seu conteúdo primasse por uma razoável qualidade e
não tivesse como principal, se não único, móbil o objectivo puramente comercial,
sem olhar a meios para atingir os fins. Mas o modelo do jornal é idêntico ao de
outros que pontificam por esse mundo fora onde há liberdade de imprensa. Nada
tem de original.
Não surpreende este comportamento
generalizado dos media, entre nós como em quase toda a parte, porque
sociologicamente há uma explicação. A comunicação social é o barómetro do nível
social, cultural, político e económico de uma sociedade. Perante a realidade
que se lhe depara, ela tem duas opções: ou rema contra a maré e tenta
contribuir para melhorar o nível cívico e cultural do cidadão leitor ou
espectador; ou fornece-lhe precisamente o que ele quer ou do que mais gosta. E
dispensa grande trabalho de auscultação prospectiva. No nosso caso, basta olhar
para algumas carências cívicas que ainda não conseguimos suprir de todo e em
que pontifica um espírito insuficientemente crítico. Reflexo do nosso escasso
investimento na educação durante séculos, a situação não é também alheia à
influência que a perversa Inquisição exerceu na nossa alma.
De facto, alguns dos nossos
comportamentos, como o intriguismo, a inveja e a denúncia são reminiscências doentias
dos efeitos daquela maligna instituição criada pela Igreja Católica quando ela tropeçou
no percurso da sua história. É muito disso que alimenta as estratégias para
aumentar as boas tiragens ou as audiências, no pressuposto de que competir no
mercado explorando o lado nobre do jornalismo não produz bons resultados
comerciais.
Resta auspiciar tempos novos em que a
comunicação social não precise de depender tão largamente da disputa do volume de
vendas ou audiências, para assim poder libertar-se e prestar ao público um
serviço de real qualidade e utilidade social. O mundo digital está em franca e
acelerada expansão e é possível que venha a assistir-se num futuro próximo a
uma mudança radical das regras que norteiam a vida humana. Só assim haverá verdade
absoluta nas palavras de Hegel quando disse que a leitura dos jornais é a
oração matinal do homem moderno. Ora, nos tempos actuais essa oração só pode invocar
a presença fatídica de demónios, em vez de ungir os espíritos.
Bem, todo este fenómeno de libertinagem é
indiscutivelmente fruto da liberdade e da concorrência que são filhas dilectas
do estado de direito democrático. Mas o argumento de que as rosas têm espinhos
não nos pode servir de lenitivo. Porque é pena que a democracia aceite no seu
seio anticorpos que atentam contra o seu aperfeiçoamento como sistema político.
Encontro na imprensa regional um espaço
ainda imune à contaminação que assola o sector, não obstante também ela passar
por dificuldades de sustentabilidade económica.
Tomar, Dezembro
de 2016
Adriano
Miranda Lima
0 comentários:
Enviar um comentário