Há bem
poucos meses, um político de topo desabafava aparentemente pesaroso, numa
animada conversa não propriamente restrita, que já estava farto do pessoal do
MpD – seu partido – e acrescentava: preguiçosos e incompetentes. Não é que eu
esteja em desacordo total com ele, mas penso que houve algum excesso e alguma arrogante
presunção. Fizesse ele antes, uma introspecção, breve que seja, baseada na
análise das funções que já exerceu, seu desempenho e desfecho, teria verificado
que correria sérios riscos de alguém o classificar de modo muito semelhante.
Então, recorreria a Ortega y Gasset – “o Homem é ele e suas circunstâncias” –
para se justificar e não chegaria a tão patéticas conclusões acerca do
militante do MpD. Faria seguramente uma análise de contexto, que é tão somente
uma variável múltipla da multifunção “circunstâncias” e obteria outros resultados
ou, no mínimo, particularizava-os. As suas afirmações fazem lembrar as de um “super-ministro”
que alcandorado no alto do seu pedestal usou a comunicação social e toda a sua
jactância para demitir um gestor público, por sinal de excelente formação
académica, proclamando a sua incompetência. É esse ministro, já na condição de
gestor público, que protagonizou, um par de anos depois, a mais desastrosa e
vergonhosa gestão verificada em Cabo Verde após a independência.
Mas,
pergunto-me, o que terá levado o político, com responsabilidades elevadas, a
fazer tal “desabafo”? Justificar, perante o seu eleitorado, a colocação dos
seus amigos da actual oposição ou outros, completamente desconhecidos em lides
políticas (não se sabe o que pensam…) em determinados lugares cobiçados por
militantes que deram “suor, sangue” e alguma ambição para que ele lá estivesse
e que se julgam com capacidade para desempenhar esses lugares? Tendo sido um
general de campanha, o que o levou a conduzir as suas tropas para uma vitória
se já sabia que não tinha gente para a “ocupação e administração do território”?
E o
paradoxo é, sem dúvida, a anunciada nova orientação do seu partido que pretende
criar inúmeras incompatibilidades entre funções de Estado e de partido, o que
exigirá dessa associação política abundância de quadros i.e. de muita gente –
em quantidade e qualidade – para os preencher desertificando a administração
pública dos seus militantes de qualidade. Aliás, esta medida ou pretensa
orientação só fará sentido, a meu ver, (e se calhar seria até desejável) se fosse
estendida por um pacto alargado a todo o Estado. Uma medida do Estado. Do
género da assumida pelo Reino Unido em que nenhum funcionário público pode
filiar-se ou militar em partidos políticos.
Acreditar
que, feita de forma unilateral, será um exemplo ou uma medida moralizadora da
ética política é pura ingenuidade e promoverá, sem qualquer dúvida, ou a
desertificação do Partido – seguramente agravada com o eventual advento da
regionalização – ou a ocupação da administração de topo do Estado pela
oposição. Somos um País de 500 mil habitantes e temos todos os órgãos
partidários que têm os países de muitos milhões de habitantes e, quase sempre –
o “quase” cartesiano – em maiores proporções.
As
pessoas públicas devem ter sempre muito cuidado com as afirmações que fazem. As
suas conversas nunca têm natureza privada, mesmo em ambientes tidos como
informais. A sua valoração e o seu aproveitamento são feitos sempre em
circunstâncias que lhe são adversas ou em situações exploratórias.
Na
sequência do uso excessivo da palavra pelos políticos vem à colação uma
afirmação de um outro político de topo que ao ser confrontado com as afirmações
do Mestre Baltazar Lopes quando este diz que “não somos nem africanos nem
europeus, mas sim cabo-verdianos” ele terá contraposto de forma veemente e
acabada, como se fosse o dono da verdade: “Não, somos africanos!”. Não teve nem
a deferente humildade nem a tolerância intelectual de separar as águas,
conhecendo o autor da tese. Baltazar Lopes era um intelectual do mais alto gabarito
e, referia-se, obviamente, em termos culturais, não obstante, como também disse
o também renomado Mestre Victorino Nemésio, – açoriano – complementando Ortega y
Gasset e particularizando a insularidade: “o Homem é também ele e a sua
geografia”.
Não
está em causa se Baltazar Lopes tinha (tem) ou não razão. O que é certo, é que
ele não tinha que ser contraditado, se não usando os mesmos instrumentos e os
mesmos métodos de análise ou, pelo menos, ao utilizar outros, defini-los e
clarificá-los de forma a chegar a tal conclusão diferente e peremptória.
Presumo que aqui também houve um excesso e uma certa precipitação, sobretudo
diplomática, porque se exauriu nela.
Ninguém
duvida que somos geopoliticamente africanos. É um dado objectivo. É uma opção
estratégica ou outra, – sempre circunstancial – uma vez que não nos situamos no
continente africano. Nem geologicamente nem geograficamente. É apenas o
continente mais próximo. Não me lembro de ter ouvido um caribenho gabar-se
americano. E é-o de facto. E daí pergunto-me porquê tanta obsessão no nosso
africanismo? Somos ilhas atlânticas. Se tivermos alguma dúvida pensemos nos
arquipélagos das Canárias e da Madeira, que mais perto do que nós estão da
plataforma continental africana, e deduzir se alguém os considera africanos. Ou
será que ser africano é a cor da pele? Também isto esbarraria nos, p.e.,
tunisinos.
Outra
palavra que se vem usando de forma abusiva, é “chefe” referindo-se aos políticos
de topo. Não me parece muito simpático em política e em democracia falar-se de
“chefe”. As palavras não são inócuas. E a sinonímia raras vezes é perfeita e
rigorosa. “Chefe” não é necessariamente “líder” ou vice-versa. Não são sinónimos.
E muito menos o são, na política. Vem isto a propósito, de uma conversa que
tive com um político de topo em que eu tentava mostrar-lhe a minha discordância
em relação a uma determinada orientação do seu partido e ele, em vez de a
defender com a argumentação eventualmente esgrimida no seio do Partido,
rematou-me e encerrou a conversa com “o que é que queres: o “chefe” quer
assim!”. Deduzi e, não podia haver outra conclusão que ele se referia ao presidente
do seu Partido e retorqui-lhe: estou a ver que ele é mesmo teu “chefe” e não vosso
“líder”. E isto é grave!... É, em tese, o regresso ao “centralismo democrático”
de má memória: O Chefe disse, o Chefe quer…
Por
vezes chego a pensar que o que realmente existe na nossa classe política não é
incompetência nem propriamente falta de conhecimento específico ou, como disse
o outro, preguiça. O que é gritante, é um enorme défice de cultura geral. Não a
informação “internética” ou o domínio do “economês”. A básica.
Muitos
outros casos de utilização inapropriada de expressões passam quase todos os
dias pela nossa comunicação social. Uns mais graves, outros compreensíveis… Por
isto, toda a atenção com a linguagem política é pouca porque ela requer
redobrados cuidados semânticos.
A.Ferreira
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