- À atenção do Professor da Língua Portuguesa
do Ensino Básico, Secundário e Universitário de Cabo Verde -
Caro colega:
Cordiais
cumprimentos. Decidi dirigir-me a si desta forma – em postal amistoso - para assim entabularmos um diálogo, cujos termos julgo eu, ambos bem
conhecemos:
1 – Gostaria de
delicadamente lhe perguntar se gosta da Língua portuguesa, se a usa na sala de aula com os seus alunos e se nas
conversas que com eles costuma ter fora do contexto das aulas, usa igualmente a
nossa língua portuguesa. Se respondeu SIM
às três questões, merece as felicitações dos pais e encarregados de
educação dos alunos, da sociedade cabo-verdiana que contribui para que exerça
dignamente a função de professor de português e queira receber as minhas
felicitações aqui também incluídas.
Se não, ainda
poderá estar a tempo de arrepiar caminho e ser melhor professor.
Releve-me esta
maneira, a modos que de colega mais velha, de iniciar a relação epistolar.
2 – Sabia caro colega que não pode ser isoladamente
culpado da má preparação notória que os seus alunos revelam em matéria de
expressão escrita e oral da Língua portuguesa, no final dos diferentes
patamares de ensino?
Pois bem, a si coube e cabe certamente parte importante
e fundamental desta calamidade linguística que
assistimos actualmente nas nossas escolas. Mas caberá igualmente aos
professores de História, de Geografia, de Estudos Sociais, de Ciências Naturais,
de Física, de Química, de Matemática, entre outras disciplinas curriculares do sistema do
ensino, uma grande dose de culpa, pelo desleixo, pelo desafecto, pela falta de
cuidado que esses nossos colegas, de uma maneira geral demonstram em relação à Língua veicular do Ensino em Cabo Verde; inscrita em alongado
texto na Lei de Bases do Ensino, 1990 e nas leis que regulamentam os
diferentes níveis escolares do sistema escolar do País. A Língua portuguesa. Língua aliás, através
da qual aqueles docentes fizeram toda o seu percurso escolar e veículo linguístico
dos livros científicos e técnicos por onde estudaram durante o curso.
3 – Reconheço
também que a maior parte dos professores que sai munido de Diploma dos nossos
estabelecimentos de Formação, traz do antecedente, o perfil de aluno medíocre do sub-sistema secundário. É este perfil que
regra geral, demanda formação superior no País. Infelizmente, é a realidade
existente e a mais visível, na sala de aula das instituições médias e
superiores de formação, tanto na ilha de Santiago, como na ilha de São Vicente.
Posto isto, a
questão que se coloca é a seguinte: como podemos ter docentes e ensino de
qualidade quando a base e a matéria prima são
más? Que esperar do saber e da cultura de um professor que nunca leu um
livro por inteiro? E mais, que desaconselha (repare bem!) os pais e os alunos
a adquirirem livros de estudo e manuais escolares? Que qualidade de ensino
estamos a ter nestas ilhas, depois de mais de 40 anos de investimentos de
alguma grandeza na Educação?... algo, ou pior, muita coisa está erradissíma!
4- Eu sei caro
colega, porque também tenho o mesmo sentimento de vergonha e de tristeza profunda que possui o comum do cidadão cabo-verdiano, mais velho,
quando temos notícias de que o actual e
infelizmente grande insucesso académico dos nossos estudantes universitários,
nas Universidades portuguesas e brasileiras se deve em grande parte ao não
domínio da Língua comum.
Muitos
estudantes cabo-verdianos, são aconselhados e avisados, por vezes, já em pleno
funcionamento das suas actividades
lectivas de que não estão aptos a acompanhar as aulas e os trabalhos no âmbito
do curso escolhido, porque não sabem expressar-se oralmente e nem escrever
correctamente a Língua portuguesa. Que
calamidade! E note caro colega, trata-se de alunos que obtiveram médias, as mais
elevadas em liceus nacionais! - altamente inflacionadas, é a conclusão a que
se chega - e por isso mesmo puderam
candidatar-se a cursos fora do país.
5 – Por hoje,
quedo-me por aqui, esperando sobre a mesma matéria, voltar em breve a
contactá-lo. Até lá, prezado colega, medite mas medite mesmo, na enorme
responsabilidade que sobre si impende e no grau de exigência que deve ter consigo
próprio a bem do ensino da Língua portuguesa nas nossas escolas.
Ensine com gosto
e com boa preparação a nossa bela língua veicular, são os meus votos sinceros.
Sempre colega:
Ondina Ferreira
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