(...)
Entrando agora na parte que me coube (por livre opção) falarei um pouco sobre
“humanidade e simplicidade,” na poesia de Jorge Barbosa.
Para
isso, e para melhor situar o assunto, permitam-me que vos leia um texto do
poeta, escrito em 1956, e que constituiu a intervenção que ele teve na célebre
«Mesa Redonda sobre o Homem Cabo-verdiano» organizada pela Agência-Geral do
Ultramar, sob coordenação do Prof. Almerindo Lessa e realizada na cidade do
Mindelo.
Jorge
Barbosa, respondia a uma das questões propostas por Almerindo Lessa e que era a
seguinte: “A indolência cabo-verdiana é fruto do clima e do tipo da
alimentação, ou consequência de uma doença de vontade?” Era a questão
“provocatória” lançada à Mesa, aos participantes. Coube a Jorge Barbosa a seguinte
resposta:
Eu preferi escrever uns apontamentos
sobre o que quero dizer. As minhas considerações são consequência da minha
experiência, talvez longa e muito sentida, da vida cabo-verdiana. Serão uma
opinião muito pessoal.
Indolência cabo-verdiana.
Eis não um problema, mas apenas um caso,
variadíssimas vezes trazido à baila das discussões.
Mas existe a apregoada indolência
cabo-verdiana?
Na verdade, confesso-o, parece, algumas
vezes parece, que essa indolência existe, a avaliar de certos flagrantes de
abandono físico e de poupança nos movimentos e nos esforços, que aqui e ali
surpreendemos na +população – melhor, em alguns indivíduos da população.
Permita-se-ma, antes de mais, uma rápida
digressão, na qual procurarei, sem alargar pormenores e sem entrar nos domínios
da Economia Política, dizer o pouco que sei ou que entendo do trabalho como
auto-obrigatoriedade, como estímulo e até como sacerdócio e finalidade:
a)
O
trabalho, primeiramente, é uma obrigatoriedade que a nós mesmos nos impomos:
implica com a nossa sobrevivência; neste caso é luta quotidiana e surge como
que em consequência de um anátema bíblico; lá estão as clássicas frases
«ganharás o pão com o suor do teu rosto», «comerás o pão que o diabo amassou»,
etc.
b)
O
trabalho resulta duma ambição: com ele procuramos a melhoria da nossa situação
económica e financeira, e, assim, é um meio de para adquirirmos, mesmo além das
nossas necessidades elementares, o com que possamos tornar a vida para nós o
mais confortável possível; é ambição ainda, e sobretudo, quando tem em mira a
acumulação de riquezas;
c)
O
trabalho é sacerdócio; lembro agora a acção missionária dos que, de há séculos,
com sacrifício ou não da própria vida, teimaram e teimam – e quantas vezes o
conseguem! – levar aos corações mais distantes a palavra confortadora de
Cristo; lembro os homens verdadeiramente abnegados, os homens de ciência e
quantos outros que altruisticamente dedicam os seus esforços, as suas vigílias,
a sua inteligência, ao bem da humanidade.
Em qualquer dos casos vemos que o
trabalho necessita de estímulo. A defesa, pois, da nossa sobrevivência, a
ambição, o progresso e o bem do homem são estímulos do trabalho.
Mas, principalmente, o grande, o
insistente estímulo do trabalho é a sua justa retribuição pecuniária.
Posto isto, vejamos o caso do simples
homem trabalhador destas ilhas. Vejamos o homem da terra, tão cheia, por vezes,
de surpresas e desesperanças, o carregador, o pedreiro, etc.; vejamos o homem
dos nossos mares, o marinheiro dos nossos frágeis veleiros, o pescador, o
catraeiro do Porto Grande, etc. Qual o seu estímulo pecuniário em relação ao
esforço que despendem? Não vale a pena estimar a média de tão escassos proventos.
Qual a certeza do seu futuro? Um seguro social para a velhice? Um retiro para
quando chegar a invalidez? Onde estão eles?
Que estímulo pode ter o homem pobre da
nossa terra para o seu trabalho? O único será o da sobrevivência. Mas este
quantas vezes não fica anulado por um germe de silenciosa revolta que reside no
fundo das almas?
Deste modo, e se, de facto, existisse a
apregoada indolência cabo-verdiana, poderíamos talvez explicá-la simplesmente
com a falta de estímulo, quase total, que afecta como uma fatalidade
(corrigível, entretanto) a vida das mais humildes classes trabalhadoras do
arquipélago.
Mas continuo perguntando: existe
verdadeiramente a tão falada indolência cabo-verdiana?
E o esforço e a canseira daqueles nossos
marinheiros e pescadores, daqueles nossos homens de enxada? E a actividade dos
homens das nossas marinhas?
E essa labuta do dia a dia das mulheres
do povo, percorrendo longos e duros caminhos, num vaivém porfiado, com cargas
pesadas à cabeça (produtos agrícolas, lenha, bosta até, este dejecto animal que
é também combustível nos lares desamparados)?
E o trabalho das crianças? As crianças
pobres também carregam, também trabalham, mais do que brincam. Só por si já é trabalho
esforçado o percurso diário da infância rural cabo-verdiana por quilómetros
multiplicados de chão áspero e abrasante, a caminho e no regresso da escola,
com o estômago vazio.
Mas existe a falada indolência
cabo-verdiana? Não haverá mais do que tudo a ausência do estímulo do trabalho?
Insisto neste ponto do meu apontamento.
Vejam o exemplo das carregadeiras do
cais de S. Vicente, quando transportam sacos de farinha. Sacos de farinha
também é um exemplo. A retribuição deste trabalho normalmente é por volume
transportado. Poucos tostões, muito poucos, por cada um. E elas lá vão, num
formigueiro humano, veloz e impressionante, levando o carregamento para os
armazéns da Alfândega para os dos comerciantes. E voltam, sempre correndo, para
levarem mais e mais sacos à cabeça. O estímulo da actividade que desenvolvem
tão exaustivamente não será retribuição pecuniária em si, bem irrisória, mas a
+possibilidade de multiplicarem os poucos tostões que recebem por cada
percurso. Mesmo assim, no fim do dia fatigante, quanto teria recebido cada uma
das carregadeiras?
Mas haverá a falada indolência
cabo-verdiana?
E esses milhares dos nossos emigrantes
espalhados pelos mares e pelos recantos da terra? O que fazem lá fora? Vida
aprazível de turista, com itinerário da Cook na algibeira e Kodak a tiracolo?
Não. Procurem-nos, mesmo que for na imaginação. Neste momento talvez se
encontrem ao leme de algum cargueiro, enfrentando os temporais do Gulf Stream,
ou lá bem no fundo do navio, suportando o calor infernal das fornalhas. Talvez
se encontrem nos campos da Califórnia lavrando a terra fértil dos estrangeiros,
quer faça sol (o sol daqueles lados menos violento do que o nosso) quer seja
Inverno (mas o frio por ali é mais castigador que a brisa penetrante do Alto da
Cruz de Renda da ilha do Fogo). Talvez se possam ver no porto de Buenos Aires
ao serviço pesado da estiva. Talvez nos deparemos com eles, aqui e ali pelo
mundo, lutando pela existência, contentes também, gozadores da vida e do amor
nos momentos de folga.
Mas haverá a falada indolência
cabo-verdiana?
Meus amigos, se toparem com algum
cabo-verdiano estirado à sombra de qualquer árvore frondosa, em largada soneca,
não o acordem; se o virem na praia, deitado no fundo de um bote, como se
tratasse de simples rede de repouso, deixem-no em paz; se passarem por um grupo
entretido em biscada barulhenta, não incomodem ninguém. São momentos de todos
nós em todas as latitudes.
Se determinado trabalho que se está
executando, construção, sementeira, transporte, não dá rendimento, se o pessoal
actua com certa moleza, antes de se pensar na preguiça não será demais um exame
de consciência no qual o factor salário entre em apreciação.
Mas existe a falada indolência
cabo-verdiana?
E esses milhares de insignificantes
lavradores, sem posse para o recrutamento dos jornaleiros, trabalhando
sozinhos, auxiliados apenas pela família, pelo amanho da nesga de terra que
possuem, nas regas, na guarda das hortas, de dia e de noite, sem contar com o
carregamento dos minguados produtos que eles mesmos têm que fazer para o
mercado distante?
Antes de se falar na apregoada
indolência cabo-verdiana, é melhor encarar primeiro a presença de uma
passividade resistente, talvez instintiva, surgindo em contraposição a
insuficiência dos salários.
Meus senhores, a indolência
cabo-verdiana…
Eu não creio nela.
Ora
bem, se bem escutaram então, terão verificado no texto acabado de ler, para
além da justificação telúrica e humana da condição do ilhéu, de uma terra em
que as negaças da “mãe-natura” são ou eram uma constante; das diversas formas
de trabalho, da iniquidade da justa retribuição trabalho/salário, vem nele, (no
texto), dizia eu – apresentada a galeria dos seus heróis, das suas musas. No
fundo, os seus sujeitos poéticos preferidos, por ele cooptados e abordados numa
envolvente em que ressalta a tremenda e a natural humanidade que transborda nos
versos deste poeta. E a impressão com que também se fica após escutar o texto,
é a de que o poeta “transcreveu”, transmudou em prosa o que havia escrito em
versos no poema, «Irmão» da colectânea «Ambiente», (que será apresentado na
próxima sessão), pois em “Irmão” já estavam impressos todos os seus mais caros
sujeitos poéticos.
E é
assim que convivemos ao longo da sua
vasta e distinta poética, construída ao longo do tempo, com estes sujeitos
protagonistas / heróis e musas constantes e predilectos, que contradizem a tal “indolência
cabo-verdiana”: os marinheiros, os pescadores, os catraeiros, as carregadeiras
de cais, as carregadeiras de peixe, as meretrizes, os lavradores, os homens da enxada, os
pedreiros, os varredores, as mulheres do povo, carregadas de varizes, as
crianças pobres das ilhas, o emigrante cabo-verdiano desafortunado, entre
outros sujeitos, e que os versos do poeta trata de forma compassiva, afectuosa e
profundamente solidária. São eles a motivação, a inspiração primeira, de Jorge
Barbosa.
E
isto é uma ocorrência reiterada, recorrente mesmo, nos poemas de Jorge Barbosa.
De tal forma, que faz unanimidade crítica, na apreciação de diversos estudiosos
que se debruçaram sobre a sua obra. E eles (os tais anónimos e humildes
sujeitos poéticos já referidos) não teriam voz, nem presença, na mensagem
literária cabo-verdiana, se Jorge Barbosa – entre outros – não os tivesse
trazido ao conhecimento dos que eventualmente lhes poderiam melhorar,
alterar-lhes a existência; se não lhes tivesse dado uma voz, a sua voz...
O
poema “Pão” – reparem na alegoria sinestésica e abrangente do título: pão é
disso bem exemplar. A lição sem pretensão que se colhe dos seus versos, a fraternidade
cristã, social, são indesmentíveis na sua mensagem. Passo a ler.
Pão
de algum dia
para todos.
para todos.
r
Não apenas
o que é já
oferta de Deus
oferta de Deus
nas searas que ondulam
ao vento a bailar
ao vento a bailar
e vem depois
lento escorrendo
farinado e alvo
farinado e alvo
dos moinhos
e cresce nos fornos
nocturnos dos padeiros
enchendo as alvoradas
com o seu aroma
flutuante e ácido
nocturnos dos padeiros
enchendo as alvoradas
com o seu aroma
flutuante e ácido
de levedura e sal.
Não mais
o pão redormido
dos jornaleiros
dos jornaleiros
nem o pão dos pedintes
restos que ficam
das mesas lautas.
restos que ficam
das mesas lautas.
Pão
sem mais
programas de governo
sem mais
sem mais
promessas oratórias
sem mais
sem mais
festas de caridade
sem mais
sem mais
quermesses e tômbolas
sem mais
sem mais
bodos aos pobres
formados em fila
formados em fila
sem mais
humilhações.
humilhações.
Pão
com outro significado
nos dicionários
nos dicionários
e nas leis das nações
pão
pão
que seja também
lar
lar
hospital
escola
liberdade
justiça
trabalho
para todos.
escola
liberdade
justiça
trabalho
para todos.
Pão
sem mais greves
sem mais ódios
sem mais lutas
sem mais prisões.
sem mais ódios
sem mais lutas
sem mais prisões.
Pão de algum dia!
é esta
a voz solidária do poeta, irmanadamente sentida, com os espoliados da vida.
Um
outro poema bem esclarecedor dessa permanente disponibilidade de porta-voz dos
que a não possuem, está claramente vertida nos seus “Poemas autobiográficos”.
Ei-lo:
Sou Jorge, não
destemido,
mui diferente do Santo
Cavaleiro de meu nome.
Tenho medo das trovoadas
e do sangue derramado.
mui diferente do Santo
Cavaleiro de meu nome.
Tenho medo das trovoadas
e do sangue derramado.
Se fantasmas nunca
vi,
não quero vê-los
também.
Não gosto de me deitar
Não gosto de me deitar
num quarto à noute
às escuras.
Mesmo assim que me dessem
o cavalo de São Jorge,
Mesmo assim que me dessem
o cavalo de São Jorge,
e sua espada, e
veriam!
Sabê-la-ia empunhar
Sabê-la-ia empunhar
na mão direita bem
firme!
Com ela comandaria
inumeráveis legiões
Com ela comandaria
inumeráveis legiões
de pobres e de
espoliados
para irmos combater
para irmos combater
os tiranos que há
ainda.
Nos rumos da minha vida
sempre existiu uma espada
de inesperadas audácias
mas todas imaginárias.
Espada de pau da infância,
de D. Quixote mais tarde.
Eu na verdade vos digo:
Nos rumos da minha vida
sempre existiu uma espada
de inesperadas audácias
mas todas imaginárias.
Espada de pau da infância,
de D. Quixote mais tarde.
Eu na verdade vos digo:
Não passo de um D.
Quixote
disfarçado por aí,
disfarçado por aí,
sem a coragem de o
ser.
Não sou o Jorge
infalível
que aparece nas famílias
da nobreza lusitana.
que aparece nas famílias
da nobreza lusitana.
Nunca tive, que o
soubesse,
parentes em tempos idos
com fama e feitos históricos
seus retratos alinhados
parentes em tempos idos
com fama e feitos históricos
seus retratos alinhados
ao longo das
galerias
nos palácios
senhoriais.
Nem tive navegadores,
Nem tive navegadores,
nem celebrados
guerreiros,
nem titulares, nem bispos,
nem favoritas de reis,
nem titulares, nem bispos,
nem favoritas de reis,
nem amantes de
rainhas,
nem grandes damas,
nem um
menestrel ao menos tive
menestrel ao menos tive
entre os meus
antepassados,
o que tem sido, confesso-o,
importante contratempo
o que tem sido, confesso-o,
importante contratempo
no curso da minha
vida.
Outro
distintivo bem visível na obra barbosiana, é a sua admirável e bem reconhecida
simplicidade. Ah! a simplicidade deste poeta! Que enorme virtude! Com efeito,
ela surge com muita frequência ao longo do “corpus poético,” do autor. O leitor
apercebe-se – em quase permanência – notas espelhadas em verso, aqui e acolá
dessa simplicidade nada artificiosa ou de pose, mas antes muito natural.
Aliás,
o poeta declara-a sob forma de um desejo no poema: «Simplicidade» inserto no
«Caderno de um Ilhéu» do qual apenas vou ler os versos mais ilustrativos (...) Eu queria ser simples naturalmente / sem
saber que existia a simplicidade // (...)Seria sem gramática / a minha poesia /
feita toda de cor / ao som do violão / com palavras aprendidas na fala do povo
(...).
No
dizer de uma das suas mais fidedignas biógrafas, a Professora Elsa Rodrigues
dos Santos: “A linguagem é marcada por
uma expressão oral, coloquial, que advém de uma simplicidade confessada por
várias vezes, pelo poeta”. Fim de citação.
Não
corro risco algum em afirmar que nos
poemas de Jorge Barbosa, se verifica uma pluralidade de vozes e de tom; ora líricos, ora irónicos,
sarcásticos, em que se encontra também,
ora implícitos, ora explícitos o tom de denúncia indignada com as atribulações
e as privações da terra e da sua gente; que afinal, consubstanciaram a práxis do poeta, a qual soa sempre fraterna, eivada de uma forte e
solidária humanidade, mansamente terna para com aqueles a quem ele considera
deserdados de sorte e de fortuna.
Uma
outra nota curiosa da vida deste poeta: os poemas que ele escrevia em tom de
protesto, de contestação e de denúncia que só viriam a ser publicados
postumamente. Ele deixou-os, grande parte, à guarda do filho mais velho.
Jorge
Barbosa guardava-os com muita prudência e não menos cautela evitando, deste
modo, ser incomodado, na sua vida familiar e na de funcionário público, pela
censura e pelo ambiente de repressão que ao tempo se vivia no espaço português.
Ele tinha a nítida consciência do momento e da sociedade envolventes. Mesmo
assim, um grupo restrito de familiares e de amigos teve acesso, em primeira
mão, dos poemas por ele prudentemente guardados. Sei que para a Praia, ele enviava-os, umas
vezes, ao cuidado do irmão, Raúl Barbosa, outras vezes, para Jaime Figueiredo,
sempre, com a recomendação de que logo que os tivessem lido os passassem para
Arnaldo França; e também para Gabriel Mariano, enquanto este último esteve a
viver na Praia (como magistrado, até 1966).
Foi
assim que circularam secretamente, os tais poemas em que o poeta tecia duras
críticas ao estado de abandono e de miséria do Arquipélago.
É
bom ter-se em conta e não esquecer que Jorge Barbosa deixou-nos um grande
legado em quantidade, (mais de três centenas de poemas) e de inquestionável
qualidade poética.
Se a
memória me não trai, Baltazar Lopes da Silva, o portentoso poeta Osvaldo
Alcântara, após ter lido: «Caderno de um Ilhéu» teria exclamado (cito): “Com a poesia de Jorge Barbosa, tornámo-nos
humildemente, cada dia, mais humanos” (Fim de citação).
Que
elogio! E vindo de quem veio, ganha ainda maior amplitude semântica.
Pois
bem, a vasta obra poética de Jorge Barbosa, constituída para além dos três
importantes Cadernos de poesia, – «Arquipélago», «Ambiente» e «Caderno de um Ilhéu»,
reeditados em boa hora, pela Livraria Pedro Cardoso – , escreveu ainda:
«Expectativa» curiosamente organizada em 10 cantos, possivelmente sugeridos
pelos «Lusíadas” de Camões e um pouco à semelhança do grande vate português,
nos versos de «Expectativa» narra a saga
afrontada, a odisseia, silenciosa e
trágica das ilhas secas e a do Homem cabo-verdiano. Deixou também em legado poético,
não publicados em vida, muitos deles: «O Romanceiro dos Pescadores», «Memorial
de São Tomé» «Outros Poemas» e «Poemas Dispersos». Além disso, escreveu dois Contos: «Conversa
Interrompida» e «5 Vidas num Escritório» que foram publicados primeiro no
Boletim Cabo Verde (Maio e Julho de 1952) e depois na «Antologia da Ficção Cabo-verdiana
Contemporânea» numa selecção de Baltazar Lopes da Silva – Edições Henriquinas
do Achamento de Cabo Verde, 1960.
Para
que conste, do mesmo modo, o poeta Jorge Barbosa compôs algumas letras, versos
em crioulo, para mornas, aliás, musicadas na época por músicos então conhecidos
aqui nas ilhas.
Uma
nota curiosa sobre o nosso homenageado, embora certamente do conhecimento dos
presentes nesta sala. Ele viveu e trabalhou muitos anos, sempre com família,
nesta ilha. Aqui nasceram o filho primogénito, também poeta Jorge Pedro
Barbosa, e o filho mais novo, Jorge Eduardo Barbosa. Claro, que Jorge Barbosa
como funcionário público aduaneiro, estava sujeito a transferências. Daí ter
estado, igualmente na Brava, Mindelo e Fogo, e não sei se na Boa Vista, também,
entre outros portos do Arquipélago. Mas onde passou de facto, mais anos de
actividade, foi na ilha do Sal. Onde também terá produzido mais de metade dos
seus melhores poemas. Teremos assim, de considerar a ilha do Sal como sendo o “habitat” certamente, mais preponderante,
da sua criação poética.
Jorge
Barbosa tem um período que eu considero fertilíssimo em inspiração e em
produção poética, que vai de 1956 a 1966, e em que ele se encontra a trabalhar
e a viver no Sal. Há um poema dele de cariz religioso, sob forma de prece,
aliás o título é nisso sugestivo: “Creio” que está inserto no «Caderno de um
Ilhéu» e a versos tais, diz o seguinte: (...) “Creio / na Virgem Maria, /Nossa Senhora das Dores / de mão posta sobre
o peito/ padroeira da pequena ilha / onde fui baptizado” (...).
De
qualquer forma, existe, é real, e está patente em vários poemas de Jorge
Barbosa, a sua vivência, a sua ligação muito próxima, muito intensa com a ilha
do Sal. E o que acabo de dizer, vem reflectido nos muitos poemas dedicados à ilha
do Sal.
Para
terminar, esta minha inacabada intervenção, o tempo assim o determina, trarei à
colação o que escreveu Milan Kundera, escritor checo, muito conhecido, no seu
excelente ensaio, «A Arte do Romance». Disse ele que o escritor (o poeta).
“(...) inscreve-se na Carta espiritual do
seu tempo, da sua nação e na história
das ideias (...)” Fim de citação. E isto adequa-se bem ao perfil do nosso
Poeta. O imenso poeta Jorge Barbosa está inscrito na “Carta espiritual,”
poética das suas ilhas e na da história literária de matriz social e humana que
se debruçou sobre o quotidiano isleno, as suas provações e sobre a emigração da
comunidade cabo-verdiana.
Os
seus poemas impregnaram-se da psique da sua gente, do cheiro do mar, do
atlântico, e do húmus da sua terra, tudo isso expresso em inspirados versos que
não traem, antes afirmam, a profunda humanidade e simplicidade de Jorge
Barbosa.
0 comentários:
Enviar um comentário