Intervenção por ocasião da Semana do Poeta, ilha do Sal, 22-24 de Maio de 2017.

quinta-feira, 25 de maio de 2017


(...) Entrando agora na parte que me coube (por livre opção) falarei um pouco sobre “humanidade e simplicidade,” na poesia de Jorge Barbosa.
Para isso, e para melhor situar o assunto, permitam-me que vos leia um texto do poeta, escrito em 1956, e que constituiu a intervenção que ele teve na célebre «Mesa Redonda sobre o Homem Cabo-verdiano» organizada pela Agência-Geral do Ultramar, sob coordenação do Prof. Almerindo Lessa e realizada na cidade do Mindelo.
Jorge Barbosa, respondia a uma das questões propostas por Almerindo Lessa e que era a seguinte: “A indolência cabo-verdiana é fruto do clima e do tipo da alimentação, ou consequência de uma doença de vontade?” Era a questão “provocatória” lançada à Mesa, aos participantes. Coube a Jorge Barbosa a seguinte resposta:
Eu preferi escrever uns apontamentos sobre o que quero dizer. As minhas considerações são consequência da minha experiência, talvez longa e muito sentida, da vida cabo-verdiana. Serão uma opinião muito pessoal.
Indolência cabo-verdiana.
Eis não um problema, mas apenas um caso, variadíssimas vezes trazido à baila das discussões.
Mas existe a apregoada indolência cabo-verdiana?
Na verdade, confesso-o, parece, algumas vezes parece, que essa indolência existe, a avaliar de certos flagrantes de abandono físico e de poupança nos movimentos e nos esforços, que aqui e ali surpreendemos na +população – melhor, em alguns indivíduos da população.
Permita-se-ma, antes de mais, uma rápida digressão, na qual procurarei, sem alargar pormenores e sem entrar nos domínios da Economia Política, dizer o pouco que sei ou que entendo do trabalho como auto-obrigatoriedade, como estímulo e até como sacerdócio e finalidade:
a)   O trabalho, primeiramente, é uma obrigatoriedade que a nós mesmos nos impomos: implica com a nossa sobrevivência; neste caso é luta quotidiana e surge como que em consequência de um anátema bíblico; lá estão as clássicas frases «ganharás o pão com o suor do teu rosto», «comerás o pão que o diabo amassou», etc.
b)   O trabalho resulta duma ambição: com ele procuramos a melhoria da nossa situação económica e financeira, e, assim, é um meio de para adquirirmos, mesmo além das nossas necessidades elementares, o com que possamos tornar a vida para nós o mais confortável possível; é ambição ainda, e sobretudo, quando tem em mira a acumulação de riquezas;
c)   O trabalho é sacerdócio; lembro agora a acção missionária dos que, de há séculos, com sacrifício ou não da própria vida, teimaram e teimam – e quantas vezes o conseguem! – levar aos corações mais distantes a palavra confortadora de Cristo; lembro os homens verdadeiramente abnegados, os homens de ciência e quantos outros que altruisticamente dedicam os seus esforços, as suas vigílias, a sua inteligência, ao bem da humanidade.
Em qualquer dos casos vemos que o trabalho necessita de estímulo. A defesa, pois, da nossa sobrevivência, a ambição, o progresso e o bem do homem são estímulos do trabalho.
Mas, principalmente, o grande, o insistente estímulo do trabalho é a sua justa retribuição pecuniária.
Posto isto, vejamos o caso do simples homem trabalhador destas ilhas. Vejamos o homem da terra, tão cheia, por vezes, de surpresas e desesperanças, o carregador, o pedreiro, etc.; vejamos o homem dos nossos mares, o marinheiro dos nossos frágeis veleiros, o pescador, o catraeiro do Porto Grande, etc. Qual o seu estímulo pecuniário em relação ao esforço que despendem? Não vale a pena estimar a média de tão escassos proventos. Qual a certeza do seu futuro? Um seguro social para a velhice? Um retiro para quando chegar a invalidez? Onde estão eles?
Que estímulo pode ter o homem pobre da nossa terra para o seu trabalho? O único será o da sobrevivência. Mas este quantas vezes não fica anulado por um germe de silenciosa revolta que reside no fundo das almas?
Deste modo, e se, de facto, existisse a apregoada indolência cabo-verdiana, poderíamos talvez explicá-la simplesmente com a falta de estímulo, quase total, que afecta como uma fatalidade (corrigível, entretanto) a vida das mais humildes classes trabalhadoras do arquipélago.
Mas continuo perguntando: existe verdadeiramente a tão falada indolência cabo-verdiana?
E o esforço e a canseira daqueles nossos marinheiros e pescadores, daqueles nossos homens de enxada? E a actividade dos homens das nossas marinhas?
E essa labuta do dia a dia das mulheres do povo, percorrendo longos e duros caminhos, num vaivém porfiado, com cargas pesadas à cabeça (produtos agrícolas, lenha, bosta até, este dejecto animal que é também combustível nos lares desamparados)?
E o trabalho das crianças? As crianças pobres também carregam, também trabalham, mais do que brincam. Só por si já é trabalho esforçado o percurso diário da infância rural cabo-verdiana por quilómetros multiplicados de chão áspero e abrasante, a caminho e no regresso da escola, com o estômago vazio.
Mas existe a falada indolência cabo-verdiana? Não haverá mais do que tudo a ausência do estímulo do trabalho?
Insisto neste ponto do meu apontamento.
Vejam o exemplo das carregadeiras do cais de S. Vicente, quando transportam sacos de farinha. Sacos de farinha também é um exemplo. A retribuição deste trabalho normalmente é por volume transportado. Poucos tostões, muito poucos, por cada um. E elas lá vão, num formigueiro humano, veloz e impressionante, levando o carregamento para os armazéns da Alfândega para os dos comerciantes. E voltam, sempre correndo, para levarem mais e mais sacos à cabeça. O estímulo da actividade que desenvolvem tão exaustivamente não será retribuição pecuniária em si, bem irrisória, mas a +possibilidade de multiplicarem os poucos tostões que recebem por cada percurso. Mesmo assim, no fim do dia fatigante, quanto teria recebido cada uma das carregadeiras?
Mas haverá a falada indolência cabo-verdiana?
E esses milhares dos nossos emigrantes espalhados pelos mares e pelos recantos da terra? O que fazem lá fora? Vida aprazível de turista, com itinerário da Cook na algibeira e Kodak a tiracolo? Não. Procurem-nos, mesmo que for na imaginação. Neste momento talvez se encontrem ao leme de algum cargueiro, enfrentando os temporais do Gulf Stream, ou lá bem no fundo do navio, suportando o calor infernal das fornalhas. Talvez se encontrem nos campos da Califórnia lavrando a terra fértil dos estrangeiros, quer faça sol (o sol daqueles lados menos violento do que o nosso) quer seja Inverno (mas o frio por ali é mais castigador que a brisa penetrante do Alto da Cruz de Renda da ilha do Fogo). Talvez se possam ver no porto de Buenos Aires ao serviço pesado da estiva. Talvez nos deparemos com eles, aqui e ali pelo mundo, lutando pela existência, contentes também, gozadores da vida e do amor nos momentos de folga.
Mas haverá a falada indolência cabo-verdiana?
Meus amigos, se toparem com algum cabo-verdiano estirado à sombra de qualquer árvore frondosa, em largada soneca, não o acordem; se o virem na praia, deitado no fundo de um bote, como se tratasse de simples rede de repouso, deixem-no em paz; se passarem por um grupo entretido em biscada barulhenta, não incomodem ninguém. São momentos de todos nós em todas as latitudes.
Se determinado trabalho que se está executando, construção, sementeira, transporte, não dá rendimento, se o pessoal actua com certa moleza, antes de se pensar na preguiça não será demais um exame de consciência no qual o factor salário entre em apreciação.
Mas existe a falada indolência cabo-verdiana?
E esses milhares de insignificantes lavradores, sem posse para o recrutamento dos jornaleiros, trabalhando sozinhos, auxiliados apenas pela família, pelo amanho da nesga de terra que possuem, nas regas, na guarda das hortas, de dia e de noite, sem contar com o carregamento dos minguados produtos que eles mesmos têm que fazer para o mercado distante?
Antes de se falar na apregoada indolência cabo-verdiana, é melhor encarar primeiro a presença de uma passividade resistente, talvez instintiva, surgindo em contraposição a insuficiência dos salários.
Meus senhores, a indolência cabo-verdiana…
Eu não creio nela.

Ora bem, se bem escutaram então, terão verificado no texto acabado de ler, para além da justificação telúrica e humana da condição do ilhéu, de uma terra em que as negaças da “mãe-natura” são ou eram uma constante; das diversas formas de trabalho, da iniquidade da justa retribuição trabalho/salário, vem nele, (no texto), dizia eu – apresentada a galeria dos seus heróis, das suas musas. No fundo, os seus sujeitos poéticos preferidos, por ele cooptados e abordados numa envolvente em que ressalta a tremenda e a natural humanidade que transborda nos versos deste poeta. E a impressão com que também se fica após escutar o texto, é a de que o poeta “transcreveu”, transmudou em prosa o que havia escrito em versos no poema, «Irmão» da colectânea «Ambiente», (que será apresentado na próxima sessão), pois em “Irmão” já estavam impressos todos os seus mais caros sujeitos poéticos. 
E é assim que  convivemos ao longo da sua vasta e distinta poética, construída ao longo do tempo, com estes sujeitos protagonistas / heróis e musas constantes e predilectos,  que contradizem a tal “indolência cabo-verdiana”: os marinheiros, os pescadores, os catraeiros, as carregadeiras de cais, as carregadeiras de peixe, as meretrizes,  os lavradores, os homens da enxada, os pedreiros, os varredores, as mulheres do povo, carregadas de varizes, as crianças pobres das ilhas, o emigrante cabo-verdiano desafortunado, entre outros sujeitos, e que os versos do poeta trata de forma compassiva, afectuosa e profundamente solidária. São eles a motivação, a inspiração primeira, de Jorge Barbosa.
E isto é uma ocorrência reiterada, recorrente mesmo, nos poemas de Jorge Barbosa. De tal forma, que faz unanimidade crítica, na apreciação de diversos estudiosos que se debruçaram sobre a sua obra. E eles (os tais anónimos e humildes sujeitos poéticos já referidos) não teriam voz, nem presença, na mensagem literária cabo-verdiana, se Jorge Barbosa – entre outros – não os tivesse trazido ao conhecimento dos que eventualmente lhes poderiam melhorar, alterar-lhes a existência; se não lhes tivesse dado uma voz, a sua voz...
O poema “Pão” – reparem na alegoria sinestésica e abrangente do título: pão é disso bem exemplar. A lição sem pretensão que se colhe dos seus versos, a fraternidade cristã, social, são indesmentíveis na sua mensagem. Passo a ler.
Pão
de algum dia
para todos
.
r
Não apenas
o que é já
oferta de Deus
nas searas que ondulam
ao vento a bailar
e vem depois
lento escorrendo
farinado e alvo
dos moinhos
e cresce nos fornos
nocturnos dos padeiros
enchendo as alvoradas
com o seu aroma
flutuante e ácido
de levedura e sal.
Não mais
o pão redormido
dos jornaleiros
nem o pão dos pedintes
restos que ficam
das mesas lautas.
Pão

sem mais
programas de governo
sem mais
promessas oratórias
sem mais
festas de caridade
sem mais
quermesses e tômbolas
sem mais
bodos aos pobres
formados em fila

sem mais
humilhações.

Pão

     com outro significado
     nos dicionários
       e nas leis das nações
       pão
       que seja também
               lar
 hospital
 escola
 liberdade
 justiça
 trabalho
 para todos.

Pão

sem mais greves
sem mais ódios
sem mais lutas
sem mais prisões.

Pão de algum dia!


é esta a voz solidária do poeta, irmanadamente sentida, com os espoliados da vida.
Um outro poema bem esclarecedor dessa permanente disponibilidade de porta-voz dos que a não possuem, está claramente vertida nos seus “Poemas autobiográficos”. Ei-lo:
Sou Jorge, não destemido,
mui diferente do Santo
Cavaleiro de meu nome.
Tenho medo das trovoadas
e do sangue derramado.
Se fantasmas nunca vi,
não quero vê-los também.
Não gosto de me deitar
num quarto à noute às escuras.
Mesmo assim que me dessem
o cavalo de São Jorge,
e sua espada, e veriam!
Sabê-la-ia empunhar
na mão direita bem firme!
Com ela comandaria
inumeráveis legiões
de pobres e de espoliados
para irmos combater
os tiranos que há ainda.
Nos rumos da minha vida
sempre existiu uma espada
de inesperadas audácias
mas todas imaginárias.
Espada de pau da infância,
de D. Quixote mais tarde.
Eu na verdade vos digo:
Não passo de um D. Quixote
disfarçado por aí,
sem a coragem de o ser.

Não sou o Jorge infalível
que aparece nas famílias
da nobreza lusitana.
Nunca tive, que o soubesse,
parentes em tempos idos
com fama e feitos históricos
seus retratos alinhados
ao longo das galerias
nos palácios senhoriais.
Nem tive navegadores,
nem celebrados guerreiros,
nem titulares, nem bispos,
nem favoritas de reis,
nem amantes de rainhas,
nem grandes damas, nem um
menestrel ao menos tive
entre os meus antepassados,
o que tem sido, confesso-o,
importante contratempo
no curso da minha vida.

Outro distintivo bem visível na obra barbosiana, é a sua admirável e bem reconhecida simplicidade. Ah! a simplicidade deste poeta! Que enorme virtude! Com efeito, ela surge com muita frequência ao longo do “corpus poético,” do autor. O leitor apercebe-se – em quase permanência – notas espelhadas em verso, aqui e acolá dessa simplicidade nada artificiosa ou de pose, mas antes muito natural.
Aliás, o poeta declara-a sob forma de um desejo no poema: «Simplicidade» inserto no «Caderno de um Ilhéu» do qual apenas vou ler os versos mais ilustrativos (...) Eu queria ser simples naturalmente / sem saber que existia a simplicidade // (...)Seria sem gramática / a minha poesia / feita toda de cor / ao som do violão / com palavras aprendidas na fala do povo (...).
No dizer de uma das suas mais fidedignas biógrafas, a Professora Elsa Rodrigues dos Santos: “A linguagem é marcada por uma expressão oral, coloquial, que advém de uma simplicidade confessada por várias vezes, pelo poeta”. Fim de citação.
Não corro risco algum em afirmar que  nos poemas de Jorge Barbosa, se verifica uma pluralidade de  vozes e de tom; ora líricos, ora irónicos, sarcásticos, em que se encontra  também, ora implícitos, ora explícitos o tom de denúncia indignada com as atribulações e as privações da terra e da sua gente; que afinal,  consubstanciaram a práxis do poeta, a qual soa sempre fraterna, eivada de uma forte e solidária humanidade, mansamente terna para com aqueles a quem ele considera deserdados de sorte e de fortuna.
Uma outra nota curiosa da vida deste poeta: os poemas que ele escrevia em tom de protesto, de contestação e de denúncia que só viriam a ser publicados postumamente. Ele deixou-os, grande parte, à guarda do filho mais velho. 
Jorge Barbosa guardava-os com muita prudência e não menos cautela evitando, deste modo, ser incomodado, na sua vida familiar e na de funcionário público, pela censura e pelo ambiente de repressão que ao tempo se vivia no espaço português. Ele tinha a nítida consciência do momento e da sociedade envolventes. Mesmo assim, um grupo restrito de familiares e de amigos teve acesso, em primeira mão, dos poemas por ele prudentemente guardados.  Sei que para a Praia, ele enviava-os, umas vezes, ao cuidado do irmão, Raúl Barbosa, outras vezes, para Jaime Figueiredo, sempre, com a recomendação de que logo que os tivessem lido os passassem para Arnaldo França; e também para Gabriel Mariano, enquanto este último esteve a viver na Praia (como magistrado, até 1966).
Foi assim que circularam secretamente, os tais poemas em que o poeta tecia duras críticas ao estado de abandono e de miséria do Arquipélago.
É bom ter-se em conta e não esquecer que Jorge Barbosa deixou-nos um grande legado em quantidade, (mais de três centenas de poemas) e de inquestionável qualidade poética.
Se a memória me não trai, Baltazar Lopes da Silva, o portentoso poeta Osvaldo Alcântara, após ter lido: «Caderno de um Ilhéu» teria exclamado (cito): “Com a poesia de Jorge Barbosa, tornámo-nos humildemente, cada dia, mais humanos” (Fim de citação).
Que elogio! E vindo de quem veio, ganha ainda maior amplitude semântica.
Pois bem, a vasta obra poética de Jorge Barbosa, constituída para além dos três importantes Cadernos de poesia, – «Arquipélago», «Ambiente» e «Caderno de um Ilhéu», reeditados em boa hora, pela Livraria Pedro Cardoso – , escreveu ainda: «Expectativa» curiosamente organizada em 10 cantos, possivelmente sugeridos pelos «Lusíadas” de Camões e um pouco à semelhança do grande vate português, nos versos de «Expectativa»  narra a saga afrontada, a odisseia,  silenciosa e trágica das ilhas secas e a do Homem cabo-verdiano. Deixou também em legado poético, não publicados em vida, muitos deles: «O Romanceiro dos Pescadores», «Memorial de São Tomé» «Outros Poemas» e «Poemas Dispersos».  Além disso, escreveu dois Contos: «Conversa Interrompida» e «5 Vidas num Escritório» que foram publicados primeiro no Boletim Cabo Verde (Maio e Julho de 1952) e depois na «Antologia da Ficção Cabo-verdiana Contemporânea» numa selecção de Baltazar Lopes da Silva – Edições Henriquinas do Achamento de Cabo Verde, 1960.
Para que conste, do mesmo modo, o poeta Jorge Barbosa compôs algumas letras, versos em crioulo, para mornas, aliás, musicadas na época por músicos então conhecidos aqui nas ilhas.
Uma nota curiosa sobre o nosso homenageado, embora certamente do conhecimento dos presentes nesta sala. Ele viveu e trabalhou muitos anos, sempre com família, nesta ilha. Aqui nasceram o filho primogénito, também poeta Jorge Pedro Barbosa, e o filho mais novo, Jorge Eduardo Barbosa. Claro, que Jorge Barbosa como funcionário público aduaneiro, estava sujeito a transferências. Daí ter estado, igualmente na Brava, Mindelo e Fogo, e não sei se na Boa Vista, também, entre outros portos do Arquipélago. Mas onde passou de facto, mais anos de actividade, foi na ilha do Sal. Onde também terá produzido mais de metade dos seus melhores poemas. Teremos assim, de considerar a ilha do Sal como sendo o “habitat” certamente, mais preponderante, da sua criação poética.
Jorge Barbosa tem um período que eu considero fertilíssimo em inspiração e em produção poética, que vai de 1956 a 1966, e em que ele se encontra a trabalhar e a viver no Sal. Há um poema dele de cariz religioso, sob forma de prece, aliás o título é nisso sugestivo: “Creio” que está inserto no «Caderno de um Ilhéu» e a versos tais, diz o seguinte: (...) “Creio / na Virgem Maria, /Nossa Senhora das Dores / de mão posta sobre o peito/ padroeira da pequena ilha / onde fui baptizado” (...). 
Terá ele sido aqui baptizado?...

De qualquer forma, existe, é real, e está patente em vários poemas de Jorge Barbosa, a sua vivência, a sua ligação muito próxima, muito intensa com a ilha do Sal. E o que acabo de dizer, vem reflectido nos muitos poemas dedicados à ilha do Sal.  
Para terminar, esta minha inacabada intervenção, o tempo assim o determina, trarei à colação o que escreveu Milan Kundera, escritor checo, muito conhecido, no seu excelente ensaio, «A Arte do Romance». Disse ele que o escritor (o poeta). “(...) inscreve-se na Carta espiritual do seu tempo, da sua nação e na história das ideias (...)” Fim de citação. E isto adequa-se bem ao perfil do nosso Poeta. O imenso poeta Jorge Barbosa está inscrito na “Carta espiritual,” poética das suas ilhas e na da história literária de matriz social e humana que se debruçou sobre o quotidiano isleno, as suas provações e sobre a emigração da comunidade cabo-verdiana.
Os seus poemas impregnaram-se da psique da sua gente, do cheiro do mar, do atlântico, e do húmus da sua terra, tudo isso expresso em inspirados versos que não traem, antes afirmam, a profunda humanidade e simplicidade de Jorge Barbosa.







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