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Nótula Explicativa -
É um tema velho, de mais de 60 anos, que o
Coral-Vermelho se propõe, no essencial, (re)publicar.
A Mesa
Redonda Sobre o Homem Cabo-verdiano teve lugar nas noites de 21 e 24 de
Julho de 1956 no Grémio do Mindelo, em S. Vicente e foi realizada no âmbito de
um trabalho de Antropologia levado a cabo pelo Doutor Almerindo Lessa (Porto,
1909 – 1997) aquando da sua estada em S. Vicente para a instalação do Centro de
Sangue no Hospital da ilha enquanto chefiava uma Missão de Seroantropologia
promovida pela Agência-Geral do Ultramar.
O Doutor Almerindo Lessa além de médico
hematologista era também Antropólogo, investigador, professor, de entre outras
especializações ligadas às suas actividades científicas e profissionais.
No decurso dos estudos que vinha fazendo no
domínio da Antropologia promoveu, em S. Vicente, duas reuniões – uma espécie de
“inquérito” dirigido aos nossos intelectuais – justificando-se quando a
determinado passo da sua apresentação nos diz: “Na verdade cheguei há apenas dois meses e durante eles nem saí de S.
Vicente. As minhas impressões têm fragilidades, eu sei. Mas posso em parte
justificar-me, pois também nestes dois meses não vivi dentro de palácios ou de
hotéis, nem sequer houve entre mim e o povo aquela espécie de fronteira social
que é um automóvel. Assim eu pude ver muita gente. No Hospital conversei com
centenas de homens, de mulheres e de crianças de todas as ilhas; os mais
pequenos ócios, passeios nos botequins mais humildes; nas idas e vindas para a
Craquinha (onde uma gentileza particular me acolheu)…”, depois conclui: “Como disse, contactei durante dois meses
com o povo miúdo desta cidade; cabe agora a vez de provocar e ouvir a sua
aristocracia”.
Assim, reuniu à volta de uma Mesa uma
trintena de personalidades, na sua grande maioria, naturais de Cabo Verde.
Apenas quatro o não eram.
Após esse trabalho, publicou, em parceria com
Jacques Ruffié, um livro – Seroantropologia
das Ilhas de Cabo Verde – editado
pela Junta de Investigações do Ultramar – Estudos, Ensaios e Documentos, Nº 32, 1957. No seu prefácio destaca: “Assim,
pode admitir-se que nenhum humano chegou a Cabo Verde antes dos portugueses,
ou, se chegou, não pôde subsistir e desapareceu sem deixar vestígios, e que o
verdadeiro povoamento do Arquipélago só começou connosco. Só quando foi
possível transportar para lá a cultura do milho e a criação da cabra pôde
começar a ocupação; só quando lá se criou um novo tipo de homem pôde dar-se
início àquela sociedade para cuja compreensão pensamos contribuir com este
trabalho.” (fim da transcrição). Aliás, esta sua posição é partilhada, como
ele próprio o diz, com o nosso poeta Jorge Barbosa quando no «Caderno de Um
Ilhéu» escreve:
«Quando
o descobridor chegou à primeira ilha
nem homens nús
nem mulheres nuas
espreitando
inocentes e medrosos
detrás da vegetação».
Trata-se, – o livro – de um estudo
interessante se tivermos em conta os circunstancialismos do tempo em que foi
realizado e o «estado da arte» das ciências ditas “sociais”. Não o vamos
reproduzir… Apenas dele extrair aquilo que constituiu matéria da Mesa-Redonda
que se efectivou através de duas reuniões, como atrás já tivemos oportunidade de
informar.
De referir que a primeira reunião foi
precedida de uma palestra em que, de entre muitas outras coisas, o Dr. Almerindo Lessa define os contornos das
suas metas quando afirma: “… proponho-me
abordar em duas pequenas introduções dois grandes problemas: o primeiro será
definir o conceito actual de Antropologia e o segundo, analisar alguns aspectos
que considero como capazes de permitirem uma análise da sociedade cabo-verdiana.”
Destas duas introduções a que ele se refere, não iremos transcrever a da
primeira reunião por constituir uma palestra com abordagem técnica sem, a nosso
ver, influência efectiva na compreensão das questões levantadas na Mesa
Redonda. Contudo, não deixamos de verificar que continha algumas curiosidades
das quais aqui registamos as seguintes: “Dentro
desta multiplicidade de estudos, nós podemos alcançar uma posição e um ponto de
síntese. Não é possível mais falar de raças brancas e raças negras; não vamos
já continuar na ingenuidade de falar de uma raça portuguesa ou de uma raça
francesa. A única coisa que hoje nos é permitido dizer é que existem três
grandes agrupamentos humanos: os negróides, os caucasóides e os mongolóides,
cada um deles definido pela percentagem maior ou menor de certas constituições
bioquímicas. A Ciência hoje não nos permite ir mais longe.”; “a
criação do mestiço favorece o património genético do homem e deve ser
considerada um método positivo na dinâmica das populações”; “…em 1955, o
Congresso Mundial das Populações, reunido em Londres, declarou ser urgente, com
o fim de defender o património genético da espécie, promover casamentos em
massa entre pessoas naturais de lugares afastados de mais de 10.000 quilómetros.”;
“Eu
próprio que sou um céptico das coisas que não percebo bem, comecei por
considerar, por exemplo, o livro de K.
Schaer, sobre as correlações entre os grupos sanguíneos e a escrita,
como uma obra insubsistente, mas o meu amigo Delfim
Santos que é professor de Pedagogia na Universidade de Lisboa, diz que
esses trabalhos são sérios.“; “ … há
trabalhos italianos, estabelecendo correspondências entre a fonética e os
grupos sanguíneos”; isto, entre muitas outras, se nos situarmos no tempo em
que o debate decorreu. (1956).
Com esta (re)publicação não pretende o «coral-vermelho»
levar aos seus leitores da actual geração o estudo antropológico – seguramente já
ultrapassado, em muitos aspectos, à luz dos actuais conhecimentos – mas sim dar
a conhecer as preocupações daqueles que nos precederam e as respectivas
abordagens no plano das ideias. A sua
erudição, a sua cultura e o seu saber revelados no à-vontade dos seus pronunciamentos:
seguros, fiáveis e despretensiosos.
Tratando-se de trabalho de muitas páginas,
irá o «coral-vermelho», seguindo aquilo que já aconteceu com o «Boletim Cabo
Verde» há seis décadas, trazer ao conhecimento do leitor toda a Mesa-Redonda, também
fraccionada, desta feita, eventualmente em 8 a 10 episódios.
Um registo final, constante do livro, que não
nos parece despiciendo: «Os textos não
foram revistos pelos participantes; por isso mantêm a espontaneidade e os
riscos de um estilo oral.»
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