DESCONCERTO OU ATÁVICA PREGUIÇA HISTÓRICA?...

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Isto de atribuir patronos e de dar nomes às infra-estruturas sociais, educativas, económicas entre outras, é sempre daquelas situações delicadas e, por vezes, complexas, que merecem muita ponderação, e se for caso disso, uma auscultação à comunidade local ou mesmo nacional.

Infelizmente, actualmente, a geração política que nos representa dá-se muito mal com a História de Cabo Verde. Ou, melhor dito, intencionalmente ou não, não se informa devidamente sobre ela. Ou então, há ainda “fantasmagorias” que a faz pensar – no meio, há excepções é claro! - que os ditos heróis ou cidadãos ilustres só começaram a aparecer, ou só foram “gerados,” pós-independência ou, indo um pouquito mais longe, com a guerra travada no Continente africano para as independências. Claro, que não abrange a todos. Volto a distinguir as honrosas excepções que sabem que tivemos sempre ao longo do tempo, muitos antepassados cujos feitos devidamente contextualizados, só nos orgulham e isto, desde que Cabo Verde se tornou nação. Até parece haver uma patológica preguiça de ir para além do imediato!

Vem tudo isto a propósito do nome dado recentemente ao aeroporto da Praia.

Antes de referir ao tal desconcerto ou uma oportunidade perdida, a que alude o título deste escrito, abro um pequeno parêntesis para declarar que o nome: Nelson Mandela é-me completamente simpático. E digo isto porquê? Porque eu não sou de ídolos. Não perfilho e nem gosto de idolatrar. Mas de entre os chamados grandes do Continente africano, reservo a minha total empatia a Nelson Mandela. Logo, o juízo que se segue é insuspeito. Fecho o parêntese.

Ora bem, estou entre aqueles que comungam da ideia de que os nomes atribuídos às infra-estruturas nacionais devem conter também alguma História, alguma memória fundamentada e aparentada, se não, ao menos, muito próxima da origem, da natureza e da finalidade desse mesmo equipamento socioeconómico e que justifique tal nome.

Daí, achar que o nome que melhor se adequava ao aeroporto da Praia fosse, por exemplo, o do saudoso cidadão Joaquim Ribeiro, que foi bem conhecido no nosso meio como Quinquim Ribeiro.

Não obstante Quinquim Ribeiro ser uma figura com reconhecida e relevante intervenção em várias áreas da nossa sociedade, daí umas pequenas homenagens, já prestadas, é no entanto, na aviação civil cabo-verdiana que ela – a intervenção – me parece ser mais marcante. Foi ele quem deu os primeiros e os fundamentais passos na aeronáutica civil e comercial aqui na Cidade da Praia. E já para não falar no impulso que deu na construção de outros aeródromos nas ilhas, ditas então, periféricas, na sua obstinada e louvável teimosia em ligar as ilhas por via aérea.

Não esquecer que os TACV originaram-se, aproveitaram-se e desenvolveram-se a partir do Aeroclube fundado por Joaquim Ribeiro nos idos anos 50 do século XX, aqui na Praia. Foi sob a liderança de Joaquim Ribeiro que chegaram à nossa capital as primeiras aeronaves que permitiram a ligação rápida e em alternativa aos pequenos barcos de cabotagem que faziam a ligação marítima.

Creio, muitos que com ele trabalharam e privaram, felizmente ainda vivos, e podem melhor do que eu sobre isso testemunhar.

Mas recordo Joaquim Ribeiro, numa interessante entrevista que me concedeu nos anos oitenta, para a Revista «Magma» de que eu era colaboradora, descrever, muitos factos e peripécias bem interessantes por que passou a consolidação da aviação civil em Cabo Verde.

De entre as peripécias e as dificuldades vividas, mas também os êxitos alcançados, destaco uma historieta que me deliciou ouvir, talvez por haver nela algum romantismo envolvido, o que vai bem com o meu espírito.

Contou-me Joaquim Ribeiro que quando se dá a transição do Aero-Clube da Praia para a criação dos TACV, houve necessidade de se contratar um piloto com a experiência e a competência necessárias de modo a assegurar os voos comerciais que se iniciariam então, definindo um perfil onde se incluiria não só a coragem como um certo espírito de aventureiro. Com esse propósito foi ele encarregado de se deslocar a Portugal. Feitos os contactos, obteve a informação de um nome, Hamilton, piloto da Força Aérea então a prestar serviço militar numa das bases portuguesas, que reunia os predicados que ele exigia.

Mas havia um óbice, o piloto referenciado estava em prisão militar. E qual tinha sido o delito?

Ora bem, havia sido impedido de sair num de fim-de-semana devido a um exercício que de repente surgira, e tinha a namorada à espera dele. Vai daí, no fim do exercício, quando já regressava à base, desvia-se e aterra junto à Praça ou Jardim da cidade onde morava a amada. Castigado, seria liberto se ele aceitasse o repto de Joaquim Ribeiro e se este assinasse um documento afiançador.

Resumido, e assim feito, veio o piloto Hamilton viver em Cabo Verde. Terá sido o primeiro piloto dos TACV. E por aqui ficou, creio eu, até se reformar das lides aéreas e gozou de muito boa fama enquanto profissional.

Pois bem, o nome de Joaquim Ribeiro merecia essa grande distinção como pioneiro da aeronáutica civil em Cabo Verde e, quiçá, "criador" da primeira infra-estrutura aeroportuária da Praia – Aeródromo da Praia – embrião do Aeroporto da Praia.

Ele foi sem dúvida um pioneiro nas ligações aéreas inter-ilhas e que depois se internacionalizaram aproveitando primeiro o Aeroporto do Sal como placa giratória, depois autonomizando.

Voltando ao título deste texto: não terá sido uma oportunidade perdida de se homenagear, como deve ser, um grande cidadão cabo-verdiano?

Estou em crer que sim… Ou, em última instância, não merecia também a cidade da Praia, esta homenagem?

2 comentários:

Olinda Melo disse...

Excelente tema, exposto com grande clareza. É preciso ter em conta a História e honrar os que nela tiveram lugar de forma efectiva, em primeiro lugar no meio e depois alargando os horizontes, se for caso disso.

Abraço

Olinda

ilhadebruma disse...

Olá Dra Ondina Ferreira. Meus sinceros parabens pelo seu Blog. Tomei conheicmento dele através do Jornal "Terra Nova" onde a senhora colabora com alguma assiduidade. Prometo ser um assíduo visitante da página e proximamente comentarei directamte os artigos que me chamarem a atenção. Se calhar, a senhora não me conhece mas eu fui amigo da D. Celina Rodrigues quando fui Pastor Evangélico da Igrreja do Nazareno nos Mosteiros de 1988 a 1990. Foram anos marcantes paraa minha e que ainda hoje recordo com muita ternura.Acima de tudo, por ter conhecido a senhora sua mãe, mulher intelectual, de trato fino, elegante, bonita e que tinha passado pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Aprendi muito com ela. Já nessa altura a sua visão já não era das melhores e eu ia lá todas as manhãs para ler o Voz di povo, trocavamos livros, falavamos de literatura, de politica e de toda a vida social Cabobverdiana. E, há dias quando li o seu artigo "Desconcerto ouatévica preguiça histórica" lembrei-me dela e até me emocionei. E isto porque lembro-me perfeitamente de ter daído no "Voz di povo" um artigo ande se falava dos primórdios da aviação em Cabo Verde mas em que o articulista não fora rigoroso. Ela mandou-me chamar e desencavamos um monte de jornais antigos até encontrarmos provas de que o primeiro poiso de aviões na Ilha do Foga tinha sido nos Mosteiros e não em S. Filipe e ao mesmo tempo referenciou a muitos daqueles que estiveram envolvidos nessa bonita aventura. Lembro-me dos nomes do piloto Hamilton e também do seu pai Sr Hugo Rodrigues. E depois ela contactou o director do jornal para que as rectificações fossem feitas. Viviamos ainda num tempo de partido única e em que não havia liberdade de expressão mas a D. Celina falava sem medo, emitia sua opinião. Aprendi com ela que, a liberdade de expressão e de pensamento não precisam estar plasmados em constituições. São as mais essenciais bases da constituição humana. Era delegado do Governo na Ilha do Fogo na altura o Sr.Aires Borges. Mas a D. Celina não se continha quando alguma coisa mexia com os Mosteiros ou com a sua Ilha do Fogo. Era ver o seu entusiasmo em recumendar e em apreciar a revista "Magma" uma publicação vigente naquela altura. Aprendi muito sobre várias figuras históricas e deleitei-me com a memória precisa sobre acontecimentos recentes e não só da Ilha do Fogo. Foi ali no sobrado dela que aprendia a admirar o Senhor Quinquim Ribeiro, o senhor HUgo Rodrigues e um grand e geógrafo que esteve no fogo em vossa casa no tempo da errupção de 1951. Não me lembro o nome. Orlando Ribeiro, será? Estabelecemos uma belissima amizade e, quando por algum motivo de trabalho não pudesse ir la a casa dela tentava saber se estava tudo bem com a sua saúde e muitas vvezes ela mandava uma empregada para saber como estava. Aprendi a respeitar os filhos e conversei várias vezes com o senhor Hugo. Há cerca de um ano vi no aeroporto de Ponta Delgada vi o senhor Eugénio. E veio à minha mente muitas recordações de um tempo que já lá vai e que marcou profundamente a minha vida. quando soube da sua morte fiquei triste e pergunteie continuo a perguntar, porque é que gente como D. Celina morrem? Não só ela deixou saudades como todos nós ficamos muito mais pobres. Outra coisa, aprendi imenso com o vosso relacionamento familiar. Ela era uma autêntica Matriarca da familia. Todos a amavam e todos escutavam os seus conselhos e pediam o seu parecer. Isto para mim tinha um valor incalculável. E fico por aqui mas muito mais teria que escrever. sinceramente, Pedro

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