Isto de atribuir patronos e de dar nomes às infra-estruturas sociais, educativas, económicas entre outras, é sempre daquelas situações delicadas e, por vezes, complexas, que merecem muita ponderação, e se for caso disso, uma auscultação à comunidade local ou mesmo nacional.
Infelizmente, actualmente, a geração política que nos representa dá-se muito mal com a História de Cabo Verde. Ou, melhor dito, intencionalmente ou não, não se informa devidamente sobre ela. Ou então, há ainda “fantasmagorias” que a faz pensar – no meio, há excepções é claro! - que os ditos heróis ou cidadãos ilustres só começaram a aparecer, ou só foram “gerados,” pós-independência ou, indo um pouquito mais longe, com a guerra travada no Continente africano para as independências. Claro, que não abrange a todos. Volto a distinguir as honrosas excepções que sabem que tivemos sempre ao longo do tempo, muitos antepassados cujos feitos devidamente contextualizados, só nos orgulham e isto, desde que Cabo Verde se tornou nação. Até parece haver uma patológica preguiça de ir para além do imediato!
Vem tudo isto a propósito do nome dado recentemente ao aeroporto da Praia.
Antes de referir ao tal desconcerto ou uma oportunidade perdida, a que alude o título deste escrito, abro um pequeno parêntesis para declarar que o nome: Nelson Mandela é-me completamente simpático. E digo isto porquê? Porque eu não sou de ídolos. Não perfilho e nem gosto de idolatrar. Mas de entre os chamados grandes do Continente africano, reservo a minha total empatia a Nelson Mandela. Logo, o juízo que se segue é insuspeito. Fecho o parêntese.
Ora bem, estou entre aqueles que comungam da ideia de que os nomes atribuídos às infra-estruturas nacionais devem conter também alguma História, alguma memória fundamentada e aparentada, se não, ao menos, muito próxima da origem, da natureza e da finalidade desse mesmo equipamento socioeconómico e que justifique tal nome.
Daí, achar que o nome que melhor se adequava ao aeroporto da Praia fosse, por exemplo, o do saudoso cidadão Joaquim Ribeiro, que foi bem conhecido no nosso meio como Quinquim Ribeiro.
Não obstante Quinquim Ribeiro ser uma figura com reconhecida e relevante intervenção em várias áreas da nossa sociedade, daí umas pequenas homenagens, já prestadas, é no entanto, na aviação civil cabo-verdiana que ela – a intervenção – me parece ser mais marcante. Foi ele quem deu os primeiros e os fundamentais passos na aeronáutica civil e comercial aqui na Cidade da Praia. E já para não falar no impulso que deu na construção de outros aeródromos nas ilhas, ditas então, periféricas, na sua obstinada e louvável teimosia em ligar as ilhas por via aérea.
Não esquecer que os TACV originaram-se, aproveitaram-se e desenvolveram-se a partir do Aeroclube fundado por Joaquim Ribeiro nos idos anos 50 do século XX, aqui na Praia. Foi sob a liderança de Joaquim Ribeiro que chegaram à nossa capital as primeiras aeronaves que permitiram a ligação rápida e em alternativa aos pequenos barcos de cabotagem que faziam a ligação marítima.
Creio, muitos que com ele trabalharam e privaram, felizmente ainda vivos, e podem melhor do que eu sobre isso testemunhar.
Mas recordo Joaquim Ribeiro, numa interessante entrevista que me concedeu nos anos oitenta, para a Revista «Magma» de que eu era colaboradora, descrever, muitos factos e peripécias bem interessantes por que passou a consolidação da aviação civil em Cabo Verde.
De entre as peripécias e as dificuldades vividas, mas também os êxitos alcançados, destaco uma historieta que me deliciou ouvir, talvez por haver nela algum romantismo envolvido, o que vai bem com o meu espírito.
Contou-me Joaquim Ribeiro que quando se dá a transição do Aero-Clube da Praia para a criação dos TACV, houve necessidade de se contratar um piloto com a experiência e a competência necessárias de modo a assegurar os voos comerciais que se iniciariam então, definindo um perfil onde se incluiria não só a coragem como um certo espírito de aventureiro. Com esse propósito foi ele encarregado de se deslocar a Portugal. Feitos os contactos, obteve a informação de um nome, Hamilton, piloto da Força Aérea então a prestar serviço militar numa das bases portuguesas, que reunia os predicados que ele exigia.
Mas havia um óbice, o piloto referenciado estava em prisão militar. E qual tinha sido o delito?
Ora bem, havia sido impedido de sair num de fim-de-semana devido a um exercício que de repente surgira, e tinha a namorada à espera dele. Vai daí, no fim do exercício, quando já regressava à base, desvia-se e aterra junto à Praça ou Jardim da cidade onde morava a amada. Castigado, seria liberto se ele aceitasse o repto de Joaquim Ribeiro e se este assinasse um documento afiançador.
Resumido, e assim feito, veio o piloto Hamilton viver em Cabo Verde. Terá sido o primeiro piloto dos TACV. E por aqui ficou, creio eu, até se reformar das lides aéreas e gozou de muito boa fama enquanto profissional.
Pois bem, o nome de Joaquim Ribeiro merecia essa grande distinção como pioneiro da aeronáutica civil em Cabo Verde e, quiçá, "criador" da primeira infra-estrutura aeroportuária da Praia – Aeródromo da Praia – embrião do Aeroporto da Praia.
Ele foi sem dúvida um pioneiro nas ligações aéreas inter-ilhas e que depois se internacionalizaram aproveitando primeiro o Aeroporto do Sal como placa giratória, depois autonomizando.
Voltando ao título deste texto: não terá sido uma oportunidade perdida de se homenagear, como deve ser, um grande cidadão cabo-verdiano?
Estou em crer que sim… Ou, em última instância, não merecia também a cidade da Praia, esta homenagem?
2 comentários:
Excelente tema, exposto com grande clareza. É preciso ter em conta a História e honrar os que nela tiveram lugar de forma efectiva, em primeiro lugar no meio e depois alargando os horizontes, se for caso disso.
Abraço
Olinda
Olá Dra Ondina Ferreira. Meus sinceros parabens pelo seu Blog. Tomei conheicmento dele através do Jornal "Terra Nova" onde a senhora colabora com alguma assiduidade. Prometo ser um assíduo visitante da página e proximamente comentarei directamte os artigos que me chamarem a atenção. Se calhar, a senhora não me conhece mas eu fui amigo da D. Celina Rodrigues quando fui Pastor Evangélico da Igrreja do Nazareno nos Mosteiros de 1988 a 1990. Foram anos marcantes paraa minha e que ainda hoje recordo com muita ternura.Acima de tudo, por ter conhecido a senhora sua mãe, mulher intelectual, de trato fino, elegante, bonita e que tinha passado pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Aprendi muito com ela. Já nessa altura a sua visão já não era das melhores e eu ia lá todas as manhãs para ler o Voz di povo, trocavamos livros, falavamos de literatura, de politica e de toda a vida social Cabobverdiana. E, há dias quando li o seu artigo "Desconcerto ouatévica preguiça histórica" lembrei-me dela e até me emocionei. E isto porque lembro-me perfeitamente de ter daído no "Voz di povo" um artigo ande se falava dos primórdios da aviação em Cabo Verde mas em que o articulista não fora rigoroso. Ela mandou-me chamar e desencavamos um monte de jornais antigos até encontrarmos provas de que o primeiro poiso de aviões na Ilha do Foga tinha sido nos Mosteiros e não em S. Filipe e ao mesmo tempo referenciou a muitos daqueles que estiveram envolvidos nessa bonita aventura. Lembro-me dos nomes do piloto Hamilton e também do seu pai Sr Hugo Rodrigues. E depois ela contactou o director do jornal para que as rectificações fossem feitas. Viviamos ainda num tempo de partido única e em que não havia liberdade de expressão mas a D. Celina falava sem medo, emitia sua opinião. Aprendi com ela que, a liberdade de expressão e de pensamento não precisam estar plasmados em constituições. São as mais essenciais bases da constituição humana. Era delegado do Governo na Ilha do Fogo na altura o Sr.Aires Borges. Mas a D. Celina não se continha quando alguma coisa mexia com os Mosteiros ou com a sua Ilha do Fogo. Era ver o seu entusiasmo em recumendar e em apreciar a revista "Magma" uma publicação vigente naquela altura. Aprendi muito sobre várias figuras históricas e deleitei-me com a memória precisa sobre acontecimentos recentes e não só da Ilha do Fogo. Foi ali no sobrado dela que aprendia a admirar o Senhor Quinquim Ribeiro, o senhor HUgo Rodrigues e um grand e geógrafo que esteve no fogo em vossa casa no tempo da errupção de 1951. Não me lembro o nome. Orlando Ribeiro, será? Estabelecemos uma belissima amizade e, quando por algum motivo de trabalho não pudesse ir la a casa dela tentava saber se estava tudo bem com a sua saúde e muitas vvezes ela mandava uma empregada para saber como estava. Aprendi a respeitar os filhos e conversei várias vezes com o senhor Hugo. Há cerca de um ano vi no aeroporto de Ponta Delgada vi o senhor Eugénio. E veio à minha mente muitas recordações de um tempo que já lá vai e que marcou profundamente a minha vida. quando soube da sua morte fiquei triste e pergunteie continuo a perguntar, porque é que gente como D. Celina morrem? Não só ela deixou saudades como todos nós ficamos muito mais pobres. Outra coisa, aprendi imenso com o vosso relacionamento familiar. Ela era uma autêntica Matriarca da familia. Todos a amavam e todos escutavam os seus conselhos e pediam o seu parecer. Isto para mim tinha um valor incalculável. E fico por aqui mas muito mais teria que escrever. sinceramente, Pedro
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