O nosso primeiro-ministro na sequência da intervenção de Carlos Lopes, Secretário Executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA) ocorrida no “II Fórum Nacional de Transformação de Cabo Verde” em vez de interpretar com racionalidade as palavras do orador que é um profissional competente, pensando que qualquer de nós, nas funções que ele desempenha e com os dados que ele dispõe tê-las-ia dito, andou à procura de um bode expiatório para “sacudir a água do capote”. Na sua completa desorientação nem sequer teve discernimento para verificar que o discurso do doutor Carlos Lopes estava datado: desde 2003.
O PM exulta-se − e isto para não usar um termo erótico e menos elegante que não se coaduna com as suas funções − com os aplausos dos seus jovens turcos que se habituaram a adulá-lo na boa-maneira afro-asiática de divinização gratuita dos líderes, do culto da personalidade, e começa a disparar a esmo sem sequer reparar no que diz.
Dos 39 anos de Cabo Verde independente, o PAIGC/CV governou 29, isto é cerca de 75% do período. É preciso revelar muito pouca sensatez ou não ter qualquer respeito ou consideração pela inteligência dos cabo-verdianos para encontrar na oposição, i.e. nos 25% (em tempo) de governação o insucesso da não-integração deste país na África. Este governo, este primeiro-ministro, está no poder há treze longuíssimos anos!!! Tem de ser coerente: as relações exteriores são áreas do presidente ou do governo? Não podem ser do governo quando são de sucesso e do presidente quando representam fracasso.
O PM acusa não só o MpD (comunicação social) como os presidentes (no Fórum) que não são do PAICV pelo alegado distanciamento das organizações africanas, designadamente CEDEAO, quando exalta a figura dos dois presidentes do PAICV como os únicos que trataram de África. Até conta uma historieta quanto à sua estreia nas lides africanas. Alguém, uma personalidade, que lhe teria dito que “até que enfim que o lugar de Cabo Verde estava ocupado”. Para além de manipular (mais uma vez não quis usar uma palavra feia) os factos, – há registos! – situação esta que não interessa agora abordar, pergunto-lhe: Há quantos anos foi isto, senhor Primeiro-Ministro? E o que é que fez de lá até agora?
Eu podia também contar-lhe um pequeno episódio que se passou com um dos outros dois presidentes que não mencionou e um presidente africano, quando este lhe diz “entre nous le courrant passe plus vite", mas não lho conto. Quero em primeiro lugar pedir-lhe que avalie esta frase, sabendo o lugar das relações pessoais sobre as formais, em África. E em segundo, gostaria de saber em que é que resultaram os 29 anos de relações estreitas dos governos do seu partido, com o continente?
Não sou nem afro-céptico nem afro-optimista. Sou afro-realista e fiquei satisfeito com a sua resposta à comunicação social sobre esta questão de não abandonar velhos parceiros, velhas ancoragens.
Não cabe neste desabafo, de um desabafo se trata, analisar a abalizada opinião de Carlos Lopes. Compreendo-a em toda a sua dimensão, não obstante achar que ele tortura os dados e força as conclusões em algumas situações. É o seu papel. Veja-se p.e. – um entre outros – o caso de Marrocos cuja inserção ou viragem para o continente não é nem pode ser comparável à nossa.Enquanto estendemos a mão com a palma virada para cima eles estendem o braço com o punho virado para baixo.
Sei da África pujante e florescente que desponta – é bom lembrar! – por detrás das ilhas de Lampedusa e Sicília no Mediterrâneo ou dos enclaves de Melila e Gibraltar e das guerras, das fomes e de muitos campos de refugiados no continente. Sei do crescimento do Gana e do PIB da superpower regional Nigéria e dos problemas enormes de miséria, fome e guerra que este país ainda tem e que não susta o surto emigratório deste colosso africano de cerca de 200 milhões de almas. Qual será o seu PIB per capita? Não, não vou fazer contas. Estou sim interessado, embora saiba que por si só é uma avaliação grosseira, de conhecer o seu índice de desenvolvimento humano (IDH) e o de Gini. Segundo dados da própria ONU (2012), a Nigéria tem cerca de 60% da sua população, sessenta por cento, repito, a viver na pobreza extrema, sem falar de dez milhões de crianças em idade escolar fora das escolas e da subida do analfabetismo, mesmo nos adultos.
A economia é sobretudo para as pessoas e não apenas para o país. É muito natural que haja crescimento quando se parte do zero absoluto. Qualquer infinitésimo representa um incremento assinalável. Daí que seja muito fácil falar-se em tendência. Mas atenção: crescimento não é desenvolvimento.
Assinale-se que todo o discurso do analista douto que é Carlos Lopes foi virado directamente para si, senhor Primeiro-Ministro, e indirectamente para todos os decisores políticos. Alerta para outros caminhos, recomenda alternativas. Possivelmente complementares.
Os Estados têm interesses e não afectos e vizinhanças, é o que o senhor lhe devia também ter dito, explicando-se. Mas não. Entrou em pânico e em vez de aceitar humildemente a culpa ou rebater os pontos de vista do orador com os quais discorda, acusa a oposição que só lá esteve 10 anos em 39 e implicitamente os membros do seu governo ao falar de remodelação reconhecendo desta forma que estão soltos e à deriva. Sem comando. E que o orador tem toda a razão.
Com isto tudo acaba por parecer um catavento político que se orienta ao sabor das opiniões. Só assim se justifica a sua pressa de remodelar como se o mal estivesse neles, membros do governo.
A sua remodelação será um exercício inútil para inglês ver. Desculpas de mau pagador.
Assuma as suas responsabilidades com dignidade e verá, não obstante ser difícil de aceitar, que está esgotado, sem imaginação e sem uma ideia para o futuro do País, apesar de o projectar, por vezes, nas suas espécies de “delírio”, e concluirá que quem precisa de ser remodelado é Vossa Excelência. O senhor é, neste momento o problema e não a solução. Remodele-se!
A. Ferreira
Quem precisa de ser remodelado é Vossa Excelência, senhor Primeiro-Ministro
sexta-feira, 23 de maio de 2014
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