O
nosso apreciado poeta Arménio Vieira, o prémio Camões 2009, numa entrevista
recentemente dada à RDP África, perguntado porque actualmente, residia em
Portugal, respondeu naquela forma e naquele registo que nele reconhecemos - naturalidade e simplicidade, - explicando assertivamente que tendo uma filha em idade
escolar, gostaria que ela tivesse a possibilidade de ter uma boa escolarização
e de fazer actividades extra-curriculares de que gosta.
Subentendidos
das palavras do poeta, é que tais meios e instrumentos não existem na terra de
origem.
Ora
bem, dito dessa forma, ninguém em consciência retirará razão a este pai com
literacia e, felizmente, com capacidade de escolha.
Nós
que vivemos nestas ilhas, lamentamos diariamente a indigência da oferta escolar
(pública e privada), a ignorância e a derrapagem que o nosso meio académico tem
vindo a conhecer.
Os
problemas são tais e tamanhos, que exemplificá-los todos daria antologias. Apenas
alguns tópicos: o manual escolar, o livro de apoio e o conteúdo programático.
Comecemos
pelo livro. O livro nas escolas – nos dias que correm – é objecto raro para não
dizer, inexistente; e não quero entrar na incorrecção do negócio de fotocópias, – por vezes de má qualidade – que os
professores levam para vender nas aulas aos alunos. O ensino básico, secundário, actuais, roçam –
no geral – uma mediocridade confrangedora.
Contextualizo
apenas algumas situações concretas que ilustram o que acabo de afirmar:
Aqui
há tempos contou-me um dos meus muitos sobrinhos – um, cujo filho frequenta os
últimos anos do ensino secundário – que
pedira à professora da disciplina de Filosofia, que lhe indicasse os livros
necessários ao estudo da matéria programada da referida disciplina para que ele
os pudesse adquirir para o seu educando. Pasme-se com a resposta! A professora
de Filosofia respondeu: ”Não. Não gaste dinheiro em comprar livros. Livros, não
valem a pena!” Atente-se à situação: Uma
docente de Fi-lo-so-fia!!! Que nível! Uma docente que deveria ter sugerido
vários livros e de diferentes autores! Assim se esperaria. Ainda por cima, sabendo
que se tratava de um pai que os queria adquirir, mesmo mandando vir de Portugal...
Será que não tem consciência da abrangência do programa da disciplina que ministra
e que se limita a debitar os seus apontamentos? Fica esta dolorosa interrogação.
Outro
caso: no início do ano lectivo acabado de findar, disponibilizei-me para
comprar e oferecer ao filho mais velho da minha Empregada, os livros que fossem
necessários, pois ele ia frequentar o 11º Ano de escolarização. Aguardei uns
dias, para dar tempo, na suposição de que os professores lhos haviam de
indicar.
Ora
bem, dias se passaram e o jovem não me enviava a lista dos livros. Perguntei à
progenitora a razão, ela explicou-ma: é que nenhum dos professores havia
indicado qualquer livro para a respectiva disciplina.
Um
terceiro caso é uma questão de conteúdos programáticos: O neto de uma amiga
teve por razões pessoais de vir terminar o secundário em Cabo Verde. E, de
repente, viu-se como um aluno “excepcional” a Matemática, uma disciplina que
dominava sem brilhantismo. Perguntado sobre a “metamorfose” limitou-se a dizer:
A matéria que dou aqui é dada dois anos antes em Portugal! Sem comentários!!!
E
assim vai o ensino nas escolas cabo-verdianas – apontamentos ditados e
fotocópias de extractos, obviamente redutores, de livros e programas desfasados
dos potenciais países de acolhimento universitário.
Pensar
que a geração dos meus filhos estudou em escolas públicas nacionais e que prosseguiu
os seus estudos superiores, na altura, obrigatoriamente fora de Cabo Verde, sem
outros desníveis/percalços – normalmente transitórios – que não fossem apenas
os de integração...
Este
conjunto de fenómenos, a que chamarei de derrapagem do ensino (?) cabo-verdiano,
pode de ser datado, com pouca margem de erro, de há quase década e meia atrás e
tem vindo a acontecer num ritmo crescente e
assustador.
Pois
bem, sem preparação, sem o bom hábito de estudar em manuais, de consultar e de
ler livros; sem capacidade de interpretação de conceitos e muito menos de
argumentar, como podem os jovens cabo-verdianos de hoje aspirar a serem quadros
e recursos humanos válidos e apetrechados para a sua realização profissional?
Como? Só mesmo por milagre! E como tal não vai acontecer, temos o futuro do
cidadão e do país, substantivamente comprometido.
Na
verdade, existe um baixo nível do ensino e de aprendizagem nas escolas deste
país (será que se poderá falar em excepções?). E é com muito pesar, que
continuamos a presenciar a cada ano lectivo que passa, este descalabro
galopante do ensino em Cabo Verde.
Trata-se também de um fenómeno que já fixou residência,
isto é, instalou-se no interior das escolas cabo-verdianas, e se tornou geral:
Professores que já não falam a língua portuguesa, que é a língua veicular do ensino; Professores
deficientemente apetrechados cultural e cientificamente; professores que não incentivam os estudantes
à leitura; ao desenvolvimento do raciocínio, dedutivo e lógico, e, muito menos,
capacitá-los para raciocinarem em termos
literário e filosófico. Alunos que não conhecem e muito menos manuseiam livros
ou manuais escolares. Alunos cujo raciocínio lógico e dedutivo (obrigação da
escola em ajudar o seu desenvolvimento) encontra-se abaixo do nível etário e do
patamar escolar em que estão ou, quando terminam os estudos secundários e até
superiores (leiam-se textos académicos de muitos dos nossos mestrados e
doutorados; escutem-nos a discorrer nos meios da comunicação social, ou outro).
Em conclusão: são por regra, portadores de uma linguagem
redutora, de um léxico titubeantemente pobre, reflexos de um raciocínio
subdesenvolvido e condicionado.
Acredito,
e estou absolutamente segura, que no meio desta desgraça toda, que constitui o
nosso actual corpo docente há gloriosas excepções
e ainda bem que as há para “salvar a
honra do convento”!
Resultado:
Estamos a enviar para estudos superiores e post secundários,tanto no país como nas
instituições portuguesas e brasileiras, candidatos que pouco ou nada sabem do
nível de estudos que lhes será doravante exigido.Tem havido anualmente
situações, que não excepções, e que confirmam,o que aqui é dito. Não sei se as
nossas estatísticas anotaram ou anotam isso.
Daí
que pais com capacidade e esclarecidos, como o grande poeta Arménio Vieira, façam
este tipo de deslocalização, no caso, a pensar no bem da filha, numa melhor
educação, em suma, capacitá-la para o futuro.
Infelizmente,
os que cá ficam e que constituem a maioria serão futuros altos quadros e
futuros dirigentes do País que estudaram todo o ciclo secundário e até nos
estudos superiores nas escolas nacionais, através de fotocópias, e que, se
calhar, nunca leram um livro na vida... Simplesmente catastrófico.
Exagero?
Caricatura? Faça-se uma pequena sondagem e teremos resultados arrepiantes.
Ah! Como gostaria de estar enganada!
Podem
crer que gostaria mesmo e ficaria imensamente feliz, se me contrariassem com
dados fiáveis e confiáveis.
3 comentários:
Li no Expresso impresso mas deixo aqui o meu apreço. Muita verdade disseste e conforta-me saber que ainda restam gentes com um pouco de decência para "denunciar" esta "geração de plágio", muito por culpa do (não)sistema de ensino neste país. Só mais um reparo. Os manuais, para além de não serem incentivados, são de má qualidade e, como se não bastasse, são alterados/trocados ano sim ano não. São os casos dos do 1º ano e do 5º ano. Mais não digo!
Artigos de opinião como este são cada vez mais necessários para a tomada de consciência colectiva sobre o acentuado declínio do nosso ensino. Creio que nenhum cabo-verdiano atento e responsável deixará de concordar inteiramente com as palavras da Drª Ondina Ferreira, que fala daquilo que conhece de cor e salteado, como é hábito dizer-se, por ser docente, por já ter sido governante na área em apreço, e por não desligar-se do que nela se passa.
Fico simplesmente abismado por saber o livro didáctico caiu em desuso no ensino em Cabo Verde, substituído por fotocópias e folhas dispersas. Quem estudou em tempos de maior exigência e rigor sabe o valor que o livro reveste para o aluno um valor e uma importância que não expiram com a cessação do seu uso. Regra geral eram guardados para sempre, com orgulho e carinho, como testemunhos de um tempo de valorização e superação. Ora, as fotocópias leva-as o vento depois de realizarem o seu fim (se é que realizam) e nunca poderão ostentar-se na estante da nossa recordação escolar. Tanto era o significado do livro escolar antigamente que muitos têm sido reeditados porque os antigos alunos os procuram para matar saudade. Ainda no ano passado adquiri alguns para enviar a um familiar nos EUA, a seu pedido.
Mas o mais preocupante é o círculo vicioso em que nos encontramos, com professores mal preparados a ensinar futuros professores.
Somos pobres por natureza, mas cavamos fundo a nossa miséria se nada se fizer para inverter esta situação.
Não ousei abrir os comentários a este insigne artigo que copiei e distribuí (por outra via) aos apreciadores meus amigos com quem costumo conjugar o verbo "haver (não "aver")
Tendo sido do tempo dos professores João Miranda, Alfredo Brito e outros mestres da mesma categoria, guardo sempre à mão uma Gramática das antigas 3° e 4° Classes onde faço intrusões por vezes.
Obrigado, Cara Dra. Ondina por publicar mais este seu trabalho.
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