O EMPAREDAMENTO MENTAL DE TRUMP

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

      Entre outros pontos da agenda política do presidente Donald Trump, está a ter grande impacto mediático interno a decisão de construir o muro entre o seu país e o México, elegendo-o como uma magna prioridade, tanto assim que foi das primeiras medidas aprovadas mal se sentou na cadeira do poder. No entanto, o que ele pretende é completar o muro em toda a extensão fronteiriça, já que a sua construção começou em 1994. Só que este muro é apenas um detalhe da agenda de um homem que Pacheco Pereira, no seu artigo no Público de 28 de Janeiro, intitulado “TRUMP, O REI DOS TEMPOS MODERNOS”, caracterizou nos seguintes termos: “Não é um democrata, não é um liberal, não é um conservador, nem um fascista, nem um nacionalista, é um demagogo revolucionário, egocêntrico e autoritário, que só ouve a voz do seu próprio sucesso.”
     Contudo, existem outras mais barreiras abomináveis por este mundo fora, como o muro de Israel/Cisjordânia, o da Coreia, o de Ceuta/Melilla, o do Sahara Ocidental, o de Chipre, o de Caxemira, e, mais recente, o de Evros entre a Grécia e a Turquia. Algumas destas barreiras têm uma finalidade política, de delimitação de fronteiras, como é o caso da Coreia e de Chipre. Mas as mais recentes destinam-se a vedar a entrada da emigração ilegal nos países ditos de “primeiro-mundo”, situação que hoje atinge proporções alarmantes, em cuja génese está a guerra, a desgraça e a fome, ou seja, a fenomenologia de um mundo desigual e cada vez mais perigoso.
     Tudo isto vem em contracorrente com as expectativas que se abriram há mais de vinte anos. Quando, em 9 de Novembro de 1989, caiu o ominoso Muro de Berlim, selando o acto oficial da reunificação das duas Alemanhas, garrafas de espumante rebentaram e foguetes estalejaram no ar. A alegria foi particularmente esfuziante nos dois países envolvidos e até então desirmanados, e contagiou o mundo ocidental em geral. O Muro de Berlim era um tumor na consciência da humanidade. Dir-se-á que rasava a jugular da civilização ocidental, enquanto outros, como o da península da Coreia, não passavam de quistos menores nos subúrbios do mundo. A extirpação do primeiro marcou o fim da guerra-fria e pintalgou o coração do mundo com cores da mais viva esperança. O entusiasmo foi tão contagiante que até homens de reconhecido traquejo na cena internacional se deixaram levar na crista da onda. Nem sequer houve o cuidado de ouvir alguns oráculos avisados, sobre as linhas do porvir, tão unânime parecia a ideia da inauguração de uma nova era no dealbar deste século, uma era de paz e prosperidade, de mais justiça e igualdade, sob os auspícios de uma globalização que estava a desenhar-se, face à queda da Economia Marxista e o advento do Liberalismo.
      Todavia, a realidade não tardou a vir ao de cima, surpreendente realidade, ou talvez não, qual crisálida que rasga o seu invólucro para libertar um novo ser. Com efeito, os velhos conflitos não se resolveram, nomeadamente o do Médio Oriente, em que as duas Guerras do Golfo abriram a porta a um terrorismo islâmico sem precedentes na sua escalada, com uma incidência local destruidora e assassina, e com uma repercussão internacional que não conhece fronteiras. De permeio, até no seio da Europa, após a violenta implosão da República Socialista Federal da Jugoslávia em 1991, se verificaram episódios que não se julgavam já possíveis, com as cicatrizes ainda frescas da II Guerra Mundial. A África continua o mesmo cancro de sempre, com os seus distúrbios de menor duração mas sempre imprevisíveis e letais nas suas consequências, um continente incapaz de regenerar as suas lideranças políticas e acertar o passo com o progresso civilizacional. É a principal origem da horda dos refugiados e emigrantes que demandam a Europa pela sua orla meridional.
     Portanto, o fim da guerra-fria não aliviou, como se esperava, o ambiente de confrontação, antes parece tê-lo acirrado, de forma insidiosa e violenta. É como se tivesse sido aberta uma válvula que continha ódios, ressentimentos e dissensões nunca dirimidos. De facto, a princípio, ainda se pensou que a erosão do Bloco Leste pudesse dar lugar a uma nova e mais concertada ordem mundial, expurgada da hegemonia política de qualquer potência, ou seja, a emergência de um mundo multipolar mas mais atreito a soluções de convivência harmoniosa e franco entendimento diplomático. Mas quem tinha a faca e o queijo na mão não entendeu assim. Os Estados Unidos, pois claro, a superpotência subitamente triunfante, não quiseram deixar os seus créditos por mãos alheias e não tardaram a reivindicar a sua hegemonia. Se com o presidente Clinton houve uma fase inicial de aparente introversão estratégica, pautada por uma certa hesitação sobre o novo papel dos Estados Unidos no teatro mundial, as dúvidas caíram por terra quando aquele país não diminuiu o seu orçamento militar e começou a intervir em força no plano externo e em vários cenários. Ainda assim, nada que se visse como prelúdio da arrogância unilateralista que o segundo George Bush viria a assumir mal chegou ao poder, e de cuja desastrosa política beligerante o mundo anda a sofrer as consequências, a apanhar com os estilhaços por toda a parte.
    Na verdade, o mundo piorou em todos os sentidos. Os seus mais graves problemas permanecem sem solução. Segundo dados oficiais, o flagelo da fome atinge cerca de 800 milhões de pessoas nos países subdesenvolvidos, cerca de 270 milhões nos países em transição e 11 milhões nos países desenvolvidos. E o resultado deste cenário é a fuga que diariamente milhares de seres humanos empreendem em direcção aos países mais prósperos, para fugir à guerra, à fome e à pobreza, calculando-se, segundo as Nações Unidas, em 244 milhões o número de emigrantes em todo o mundo. Esses 244 milhões já são efectivos, mas receia-se uma grande retaguarda que vai engrossando assustadoramente.
     Este é o cenário dos tempos actuais. Até há poucos anos, esperava-se que subissem ao palco das decisões internacionais homens de visão esclarecida e grande envergadura moral. Mas não, contra todas as expectativas, acabou de assumir a presidência da primeira potência mundial um homem da estirpe de Donald Trump, que Pacheco Pereira caracterizou como uma criatura híbrida e por isso mesmo particularmente perigosa. Se ele fosse um ditador de contornos claramente definidos, num país de tradições democráticas como os EUA, teria sido possível travar a sua ascensão ao poder, assim como relativamente fácil anular agora o seu protagonismo. Neste momento, ele é como a cereja em cima deste bolo azedo em que se transformou o mundo. O tampão na fronteira entre os EUA e o México será porventura o pormenor menos relevante do seu desvario. Pior serão os muros de outra natureza que ele tenciona estabelecer a nível planetário, visto que podem inquinar o que, mal ou bem, ainda vai segurando o sistema de relações internacionais, quer políticas quer económicas. Tudo isto é alarmante e o caos é uma possibilidade, a menos que o emparedamento mental de Trump se torne tão evidente e tão nocivos os seus efeitos, que ele seja a breve trecho apeado do poder por aqueles que lá o colocaram.
    


Tomar, 30 de Janeiro de 2017

Adriano Miranda Lima






0 comentários:

Enviar um comentário