Entre outros pontos da
agenda política do presidente Donald Trump, está a ter grande impacto mediático
interno a decisão de construir o muro entre o seu país e o México, elegendo-o
como uma magna prioridade, tanto assim que foi das primeiras medidas aprovadas
mal se sentou na cadeira do poder. No entanto, o que ele pretende é completar o
muro em toda a extensão fronteiriça, já que a sua construção começou em 1994. Só
que este muro é apenas um detalhe da agenda de um homem que Pacheco Pereira, no
seu artigo no Público de 28 de Janeiro, intitulado “TRUMP, O REI DOS TEMPOS
MODERNOS”, caracterizou nos seguintes termos: “Não é um democrata, não é um
liberal, não é um conservador, nem um fascista, nem um nacionalista, é um
demagogo revolucionário, egocêntrico e autoritário, que só ouve a voz do seu
próprio sucesso.”
Contudo, existem outras
mais barreiras abomináveis por este mundo fora, como o muro de
Israel/Cisjordânia, o da Coreia, o de Ceuta/Melilla, o do Sahara Ocidental, o
de Chipre, o de Caxemira, e, mais recente, o de Evros entre a Grécia e a
Turquia. Algumas destas barreiras têm uma finalidade política, de delimitação
de fronteiras, como é o caso da Coreia e de Chipre. Mas as mais recentes
destinam-se a vedar a entrada da emigração ilegal nos países ditos de
“primeiro-mundo”, situação que hoje atinge proporções alarmantes, em cuja
génese está a guerra, a desgraça e a fome, ou seja, a fenomenologia de um mundo
desigual e cada vez mais perigoso.
Tudo isto vem em
contracorrente com as expectativas que se abriram há mais de vinte anos. Quando,
em 9 de Novembro de 1989, caiu o ominoso Muro de Berlim, selando o acto oficial
da reunificação das duas Alemanhas, garrafas de espumante rebentaram e foguetes
estalejaram no ar. A alegria foi particularmente esfuziante nos dois países envolvidos
e até então desirmanados, e contagiou o mundo ocidental em geral. O Muro de
Berlim era um tumor na consciência da humanidade. Dir-se-á que rasava a jugular
da civilização ocidental, enquanto outros, como o da península da Coreia, não
passavam de quistos menores nos subúrbios do mundo. A extirpação do primeiro
marcou o fim da guerra-fria e pintalgou o coração do mundo com cores da mais
viva esperança. O entusiasmo foi tão contagiante que até homens de reconhecido
traquejo na cena internacional se deixaram levar na crista da onda. Nem sequer
houve o cuidado de ouvir alguns oráculos avisados, sobre as linhas do porvir, tão
unânime parecia a ideia da inauguração de uma nova era no dealbar deste século,
uma era de paz e prosperidade, de mais justiça e igualdade, sob os auspícios de
uma globalização que estava a desenhar-se, face à queda da Economia Marxista e
o advento do Liberalismo.
Todavia, a realidade
não tardou a vir ao de cima, surpreendente realidade, ou talvez não, qual
crisálida que rasga o seu invólucro para libertar um novo ser. Com efeito, os
velhos conflitos não se resolveram, nomeadamente o do Médio Oriente, em que as
duas Guerras do Golfo abriram a porta a um terrorismo islâmico sem precedentes
na sua escalada, com uma incidência local destruidora e assassina, e com uma
repercussão internacional que não conhece fronteiras. De permeio, até no seio
da Europa, após a violenta implosão da República Socialista Federal da
Jugoslávia em 1991, se verificaram episódios que não se julgavam já possíveis,
com as cicatrizes ainda frescas da II Guerra Mundial. A África continua o mesmo
cancro de sempre, com os seus distúrbios de menor duração mas sempre
imprevisíveis e letais nas suas consequências, um continente incapaz de
regenerar as suas lideranças políticas e acertar o passo com o progresso civilizacional.
É a principal origem da horda dos refugiados e emigrantes que demandam a Europa
pela sua orla meridional.
Portanto, o fim da
guerra-fria não aliviou, como se esperava, o ambiente de confrontação, antes
parece tê-lo acirrado, de forma insidiosa e violenta. É como se tivesse sido
aberta uma válvula que continha ódios, ressentimentos e dissensões nunca
dirimidos. De facto, a princípio, ainda se pensou que a erosão do Bloco Leste
pudesse dar lugar a uma nova e mais concertada ordem mundial, expurgada da
hegemonia política de qualquer potência, ou seja, a emergência de um mundo
multipolar mas mais atreito a soluções de convivência harmoniosa e franco
entendimento diplomático. Mas quem tinha a faca e o queijo na mão não entendeu
assim. Os Estados Unidos, pois claro, a superpotência subitamente triunfante,
não quiseram deixar os seus créditos por mãos alheias e não tardaram a
reivindicar a sua hegemonia. Se com o presidente Clinton houve uma fase inicial
de aparente introversão estratégica, pautada por uma certa hesitação sobre o
novo papel dos Estados Unidos no teatro mundial, as dúvidas caíram por terra
quando aquele país não diminuiu o seu orçamento militar e começou a intervir em
força no plano externo e em vários cenários. Ainda assim, nada que se visse
como prelúdio da arrogância unilateralista que o segundo George Bush viria a
assumir mal chegou ao poder, e de cuja desastrosa política beligerante o mundo
anda a sofrer as consequências, a apanhar com os estilhaços por toda a parte.
Na verdade, o mundo
piorou em todos os sentidos. Os seus mais graves problemas permanecem sem
solução. Segundo dados oficiais, o flagelo da fome atinge cerca de 800 milhões
de pessoas nos países subdesenvolvidos, cerca de 270 milhões nos países em
transição e 11 milhões nos países desenvolvidos. E o resultado deste cenário é a
fuga que diariamente milhares de seres humanos empreendem em direcção aos
países mais prósperos, para fugir à guerra, à fome e à pobreza, calculando-se,
segundo as Nações Unidas, em 244 milhões o número de emigrantes em todo o
mundo. Esses 244 milhões já são efectivos, mas receia-se uma grande retaguarda
que vai engrossando assustadoramente.
Este é o cenário dos
tempos actuais. Até há poucos anos, esperava-se que subissem ao palco das
decisões internacionais homens de visão esclarecida e grande envergadura moral.
Mas não, contra todas as expectativas, acabou de assumir a presidência da
primeira potência mundial um homem da estirpe de Donald Trump, que Pacheco
Pereira caracterizou como uma criatura híbrida e por isso mesmo particularmente
perigosa. Se ele fosse um ditador de contornos claramente definidos, num país
de tradições democráticas como os EUA, teria sido possível travar a sua
ascensão ao poder, assim como relativamente fácil anular agora o seu
protagonismo. Neste momento, ele é como a cereja em cima deste bolo azedo em
que se transformou o mundo. O tampão na fronteira entre os EUA e o México será
porventura o pormenor menos relevante do seu desvario. Pior serão os muros de
outra natureza que ele tenciona estabelecer a nível planetário, visto que podem
inquinar o que, mal ou bem, ainda vai segurando o sistema de relações
internacionais, quer políticas quer económicas. Tudo isto é alarmante e o caos
é uma possibilidade, a menos que o emparedamento mental de Trump se torne tão
evidente e tão nocivos os seus efeitos, que ele seja a breve trecho apeado do
poder por aqueles que lá o colocaram.
Tomar, 30 de Janeiro de 2017
Adriano Miranda Lima
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