A Educação: O debate do devir?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017
Agora mais do que nunca, se pede e se sugere com premência, uma análise, uma discussão, um debate sério e objectivo sobre a Educação em Cabo Verde. Com gente no activo, profissional nesta matéria; com a escola, com os professores, com pais interessados, com especialistas da área, ouvindo também os formandos em Educação, entre outros agentes com interesse para a causa, para que o desenho de uma estratégia educativa para este país seja gizada para os tempos actuais e se realize de forma substantiva, com objectivos fiáveis e fazíveis...
A propósito da Educação, em Cabo Verde, li num dos últimos editoriais do Jornal «Expresso das ilhas», (nº 791 de 25 de Janeiro de 2017) pela pena do seu Director, Humberto Cardoso, um artigo muito interessante. Um convite à reflexão dos responsáveis e de todos nós, sobre matéria tão candente e primordial para o desenvolvimento humano, social e tecnológico do país.
Escreveu o autor a determinada altura e passo a transcrever: “A educação foi mais uma vez tema de debate no Parlamento. Desta feita foi no âmbito da interpelação ao governo visando confrontá-lo com as suas promessas eleitorais. A opção do governo pelo estudo das línguas, das ciências das tecnologias e da matemática como via de se chegar a uma economia de conhecimento foi aflorada  durante a interpelação, mas rapidamente deixada para trás. Matérias com maior impacto político designadamente carreiras e contratos dos professores, bolsa de estudo para os jovens, isenção de propinas e problemas salariais das cozinheiras das cantinas acabaram por monopolizar as atenções e exacerbar as opiniões. Depois disso não ficou muito espaço para se discutir a educação que realmente o país precisa para construir um futuro de desenvolvimento".  
E mais adiante, acrescentou algo que nos interpela:
“Em Cabo Verde discutir a qualidade do ensino pode facilmente levar a acusações de que se está atacar os professores. Não é por acaso que qualquer debate sobre educação acaba por exclusivamente incidir sobre questões sindicais e de carreira dos professores ficando de lado a questão da qualidade. Ninguém quer perder no jogo do arremesso político que pode surgir da discussão. Todos, porém, acabam por perder porque nada de substancial se altera ficando a percepção geral aquela já manifestada pelo presidente da república da “qualidade insatisfatória global do nosso sistema de ensino.”
E concluiu o articulista, revelando  bons exemplos que, se calhar, até devíamos ter como modelo: “É hoje ponto assente a importância central da educação em qualquer estratégia de desenvolvimento, particularmente quando o ponto de partida é o de um país pequeno insular e com uma economia ainda dependente da generosidade internacional. Países pequenos e/ou insulares que têm distinguido na corrida para o desenvolvimento posicionam-se todos como países de top nos rankings internacionais no domínio da língua, das ciências e da matemática. Nos testes do PISA, Singapura, Macau, Irlanda, Finlândia, e Estónia estão entre os que mais brilham. O caso de Singapura que com somente dez anos mais de independência do que Cabo Verde conseguiu erguer-se para os primeiros lugares, apesar de enormes dificuldades, entre as quais ser uma sociedade constituída por três grupos étnico-linguísticos. devia interpelar a todos (...)
Articular educação, economia e desenvolvimento revela-se cada dia mais crucial na vida das nações. Também em Cabo Verde devia ser a via privilegiada para um futuro de prosperidade”. Fim da transcrição.

Na verdade, a realidade que hoje se vive em matéria de escolarização nestas ilhas, causa justificadas preocupações. Atingiu-se já um ponto de iliteracia inaceitável - em todos os escalões académicos e em todas as faixas etárias -  do Básico, ao Secundário e ao ensino Superior; de adolescentes, a jovens e até em adultos alfabetizados, escolarizados e graduados. De tal modo, que brada aos céus! A escola cabo-verdiana, o ensino que nela se ministra têm sido até objecto já de algum “gozo humorístico e satírico” pelas tantas e tamanhas calamidades e incorrecções conceptuais e linguísticas, infelizmente, ditas, escritas por alguns professores - os quais já são muitos e que quase configuram a regra -  lidas, ouvidas e divulgadas  pelos próprios alunos, alguns, oriundos de meios familiares mais informados e escolarizados que as contam como se extraídas de algum anedotário nacional. Nem dá para acreditar!
Como e porquê se verificou tal retrocesso? Apetece-me comparar a situação actual escolar de forma relativa é certa, com a dos letrados e formados cabo-verdianos do passado? Como se chegou a este ponto tão baixo? O que se fez à escola cabo-verdiana que não chega ao fim de um ciclo de ensino, com alunos que minimamente saibam ler, escrever e contar? Uma calamidade de todo o tamanho! 
Antigamente, para se fazer aprovar na 4ª classe (correspondente ao actual 4º Ano do ensino básico/primário) o aluno tinha que satisfazer os três requisitos referidos; ou seja, saber ler, saber escrever e saber deduzir correctamente, com lógica;  saber contar, isto é, saber fazer as quatro operações com algum rigor aritmético.
Actualmente, temos alunos com o 12º Ano do ensino secundário completo que mal juntam sílabas e soletram ao ler um simples texto. Uma tremenda vergonha! E isto, para não mencionar a escrita pejada de erros e de falta de lógica ortográfica e semântica. Contar? Não sabem mesmo!  Ler e interpretar um mapa geográfico é um autêntico quebra-cabeças. Nem sei se neste momento, o utilizam na sala de aula da disciplina de Geografia. O pior é nem foi substituído por algo de mais valia. O material escolar básico, pura e simplesmente já não existe nas escolas de hoje.
Muitos alunos nunca abriram um livro, um manual, de História, de Geografia, de Física, de ficção, de poesia, entre outras formas de aquisição de saber e de cultura adequada a cada fase de escolarização. Não utilizam a memória. Isso não lhes foi ensinada a utilidade desse precioso dom, para fixarem e interiorizarem textos,  trechos e conceitos que depois se transformarão um dia, em memória culta e erudita que só lhes trará literacia. 
Na mesma linha,o raciocínio lógico e dedutivo já não entra na acção educativa, didáctica. Façam um pequena experiência, tentem estabelecer um diálogo com um aluno cabo-verdiano, do 12º ano de escolaridade. Ponham uma ou duas questões sobre uma matéria qualquer inscrita no programa curricular que ele terá dado. Ficarão espantados com a ignorância que ele ou ela, demonstrará. Enfim, um verdadeiro desastre científico/técnico e pedagógico, vem percorrendo o nosso ensino. Que credibilidade?
Infelizmente, são estes perfis com imensas e graves lacunas, com longas etapas queimadas, que ingressam no ensino superior. Cá dentro e no estrangeiro. Que fazem a Licenciatura, o Mestrado e o Doutoramento. São os modernos altos Quadros cabo-verdianos. Haverá excepção nisso... Sim, claro! Também, mal seria!!
,Daí que se não admire ninguém da iliteracia que campea por aqui. É basta contactá-los nos seus postos de trabalho, os ditos altos Quadros. Pequenos nada apenas. Este mero exemplo. Entro em consultórios médicos em que levo rodadas de «tu». Esclareço: sou tratada por desconhecido e mais jovem que usa o verbo só na 2ª pessoa do singular.  A ser tratada por “tu” por senhores doutores (assim os trato.Usando eu as formas verbais na 3ª pessoa do singular. No que faço bem) e alguns, por pura ignorância linguística e cultural (na nossa cultura há formas de tratamento distintos que variam entre o formal e o informal, entre mais velhos e mais jovens) Dizem-me: “vais  comprar este medicamento" (em vez de vai  ou mesmo: a senhora vai) . "Olha para a doutora” ( em vez de olhe) que é ela própria a auto-referir-se, enquanto me faz testes) Enfim, ouço constrangida, “barbarismos” deste calibre proferidos por gente adulta e aparentemente, altamente formada, porque especialistas na área da consulta. Mas que desconhece uma simplicíssima regra gramatical e social...
O pior é que desconhecem que não devem tratar paciente adulto e que não é da intimidade deles por “tu”. Eu sei que o não fazem por mal. É por pura ignorância, aqui empregado no seu sentido mais vernáculo. Isto é: eles e elas, ignoram, desconhecem as regras gramaticais e sociolinguisticas. Não lhes foi ensinado na escola em que andaram ?...
Lá está, a escola! A escola com particular acuidade entre nós, devia ser o complemento, o parceiro por excelência, mais activo e mais próximo da família. Grande parte destes adultos, hoje formados, enquanto criança não teve infelizmente qualquer forma de socialização e de informação sistematizadas ao longo da educação caseira sobre as regras básicas do saber, do saber estar em sociedade. É nisso que devia ter entrado a escola próxima da família e transmissora de valores. Não foi assim. Os maus resultados estão à vista de todos, para a nossa lamentação. 
 E isto produziu a incivilidade que grassa entre nós,  o quotidiano do nosso viver social, com especial acuidade entre a geração mais nova .
III
A questão da Língua portuguesa na praxis de ensino cabo-verdiano, anda pelas “ruas da amargura,” de tal modo, que aqui há dias foi muito bem e assertivamente sintetizada numa intervenção feita por um ouvinte oriundo da ilha de Santo Antão, num debate radiofónico a propósito de questões linguísticas entre nós. Disse então o ouvinte esta frase simples e lapidar: “...As senhoras  aí no estúdio que estão a debater a questão, estão baralhadas, os professores cá fora que as escutam estão baralhados, e os alunos, como devem calcular, mais baralhados estão ainda...”
 O ouvinte santantonense, radiografou desta forma, a situação que se vive actualmente quanto à magna questão do ensino da língua portuguesa nas escolas que foi tornado em bico-de-obra, por estes “estrategas” da língua que infelizmente possuímos. 
Mal se fala em se ensinar, como deve ser a Língua portuguesa, a língua veicular dos alunos cabo-verdianos, eis que alguns dos ditos peritos, saltam logo com a questão do Crioulo. E isso, de forma a misturar por vezes, com algum despropósito, uma questão que nos seus melhores momentos, foi tratada em campo próprio, procurando a metodologia mais adequada para uma língua viva, veicular para a nossa instrução, e em franca expansão;  uma língua que é a nossa segunda língua ou nossa língua segunda e que para uma minoria (em que me incluo) é igualmente, língua materna.
Uma questão que devia ser equacionada  em paralelo, mas distinta da questão do crioulo. Só assim, penso eu, se lograriam melhores resultados nos aprendentes .
Resultado, com todos estes “ruídos”, criaram já um ambiente de tal forma confuso, que assim não se chega a parte alguma e a questão permanece por resolver. Fico com a convicção de que os ditos peritos linguísticos se comprazem no meio caótico que eles próprios engendraram e que lhes serve exactamente, ao que vêem. Isto é, para as luzes da ribalta que demandam.
Não sou pessimista, mas estou muito céptica, muito preocupada, relativamente ao ensino que se vem praticando nas salas de aulas das escolas cabo-verdianas.

 Nesta ordem de ideias, criou-se uma espécie de “fantasia linguística” de que os nossos meninos em início de escolarização, não podem e nem devem ser expostos à Língua portuguesa. Isto, se não se lhes puser o Crioulo pela frente. Todo o falante cabo-verdiano é exposto desde tenra idade à língua portuguesa. Uns mais, outros, bem menos. Deixemo-nos de fantasias. 
 Abro um pequeno parêntesis para aqui recordar uma visita que há tempos fiz a um Jardim Infantil no Concelho do Tarrafal e de a responsável/monitora, me contar que logo pela manhã, no começo das actividades, ter alguma dificuldade em conseguir alguma disciplina e silêncio na sala, pois que  se instala algum barulho com as crianças, cada uma a seu jeito,  a querer contar umas às outras o último episódio visto da telenovela que na altura, passava na TV - que impropriamente viam, me seja permitido  também este desabafo –
Ora bem, tanto quanto sabemos os diálogos das telenovelas que passam na televisão nacional, são em português Que se saiba não são em crioulo. O que é certo é que aquelas crianças do interior da ilha de Santiago, entendiam-nos com muito à-vontade. 
E esta?... Afinal, parece que a história da não utilização da Língua  portuguesa na escola básica, justificada com o falso e falacioso argumento de que as nossas criancinhas não percebem a língua portuguesa, anda a ser muito mal contada. Aqui chegados, fecho o parêntesis e o texto.

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