Agora
mais do que nunca, se pede e se sugere com premência, uma análise, uma
discussão, um debate sério e objectivo sobre a Educação em Cabo Verde. Com
gente no activo, profissional nesta matéria; com a escola, com os professores,
com pais interessados, com especialistas da área, ouvindo também os formandos
em Educação, entre outros agentes com interesse para a causa, para que o
desenho de uma estratégia educativa para este país seja gizada para os tempos
actuais e se realize de forma substantiva, com objectivos fiáveis e fazíveis...
A
propósito da Educação, em Cabo Verde, li num dos últimos editoriais do Jornal
«Expresso das ilhas», (nº 791 de 25 de Janeiro de 2017) pela pena do seu
Director, Humberto Cardoso, um artigo muito interessante. Um convite à reflexão
dos responsáveis e de todos nós, sobre matéria tão candente e primordial para o
desenvolvimento humano, social e tecnológico do país.
Escreveu
o autor a determinada altura e passo a transcrever: “A educação foi mais uma vez tema
de debate no Parlamento. Desta feita foi no âmbito da interpelação ao governo
visando confrontá-lo com as suas promessas eleitorais. A opção do governo pelo
estudo das línguas, das ciências das tecnologias e da matemática como via de se
chegar a uma economia de conhecimento foi aflorada durante a
interpelação, mas rapidamente deixada para trás. Matérias com maior impacto
político designadamente carreiras e contratos dos professores, bolsa de estudo
para os jovens, isenção de propinas e problemas salariais das cozinheiras das
cantinas acabaram por monopolizar as atenções e exacerbar as opiniões. Depois
disso não ficou muito espaço para se discutir a educação que realmente o país
precisa para construir um futuro de desenvolvimento".
E mais
adiante, acrescentou algo que nos interpela:
“Em Cabo
Verde discutir a qualidade do ensino pode facilmente levar a acusações de que
se está atacar os professores. Não é por acaso que qualquer debate sobre
educação acaba por exclusivamente incidir sobre questões sindicais e de
carreira dos professores ficando de lado a questão da qualidade. Ninguém quer
perder no jogo do arremesso político que pode surgir da discussão. Todos,
porém, acabam por perder porque nada de substancial se altera ficando a percepção
geral aquela já manifestada pelo presidente da república da “qualidade
insatisfatória global do nosso sistema de ensino.”
E
concluiu o articulista, revelando bons exemplos que, se calhar, até
devíamos ter como modelo: “É hoje ponto assente a importância central da
educação em qualquer estratégia de desenvolvimento, particularmente quando o
ponto de partida é o de um país pequeno insular e com uma economia ainda
dependente da generosidade internacional. Países pequenos e/ou insulares que
têm distinguido na corrida para o desenvolvimento posicionam-se todos como
países de top nos rankings internacionais no domínio da língua, das ciências e
da matemática. Nos testes do PISA, Singapura, Macau, Irlanda, Finlândia, e
Estónia estão entre os que mais brilham. O caso de Singapura que com somente
dez anos mais de independência do que Cabo Verde conseguiu erguer-se para os
primeiros lugares, apesar de enormes dificuldades, entre as quais ser uma
sociedade constituída por três grupos étnico-linguísticos. devia interpelar a
todos (...)
Articular
educação, economia e desenvolvimento revela-se cada dia mais crucial na vida
das nações. Também em Cabo Verde devia ser a via privilegiada para um futuro de
prosperidade”. Fim da
transcrição.
Na
verdade, a realidade que hoje se vive em matéria de escolarização nestas ilhas,
causa justificadas preocupações. Atingiu-se já um ponto de iliteracia
inaceitável - em todos os escalões académicos e em todas as faixas etárias -
do Básico, ao Secundário e ao ensino Superior; de adolescentes, a jovens
e até em adultos alfabetizados, escolarizados e graduados. De tal modo, que
brada aos céus! A escola cabo-verdiana, o ensino que nela se ministra têm sido
até objecto já de algum “gozo humorístico e satírico” pelas tantas e tamanhas calamidades e incorrecções conceptuais e linguísticas, infelizmente, ditas,
escritas por alguns professores - os quais já são muitos e que quase configuram
a regra - lidas, ouvidas e divulgadas pelos próprios alunos,
alguns, oriundos de meios familiares mais informados e escolarizados que as
contam como se extraídas de algum anedotário nacional. Nem dá para acreditar!
Como e
porquê se verificou tal retrocesso? Apetece-me comparar a situação actual
escolar de forma relativa é certa, com a dos letrados e formados cabo-verdianos
do passado? Como se chegou a este ponto tão baixo? O que se fez à escola
cabo-verdiana que não chega ao fim de um ciclo de ensino, com alunos que
minimamente saibam ler, escrever e contar? Uma calamidade de todo o
tamanho!
Antigamente,
para se fazer aprovar na 4ª classe (correspondente ao actual 4º Ano do ensino
básico/primário) o aluno tinha que satisfazer os três requisitos referidos; ou
seja, saber ler, saber escrever e saber deduzir correctamente, com lógica;
saber contar, isto é, saber fazer as quatro operações com algum rigor
aritmético.
Actualmente,
temos alunos com o 12º Ano do ensino secundário completo que mal juntam sílabas
e soletram ao ler um simples texto. Uma tremenda vergonha! E isto, para não
mencionar a escrita pejada de erros e de falta de lógica ortográfica e
semântica. Contar? Não sabem mesmo! Ler e interpretar um mapa geográfico
é um autêntico quebra-cabeças. Nem sei se neste momento, o utilizam na sala de
aula da disciplina de Geografia. O pior é nem foi substituído por algo de mais
valia. O material escolar básico, pura e simplesmente já não existe nas escolas
de hoje.
Muitos
alunos nunca abriram um livro, um manual, de História, de Geografia, de Física,
de ficção, de poesia, entre outras formas de aquisição de saber e de cultura
adequada a cada fase de escolarização. Não utilizam a memória. Isso não lhes
foi ensinada a utilidade desse precioso dom, para fixarem e interiorizarem
textos, trechos e conceitos que depois se transformarão um dia, em
memória culta e erudita que só lhes trará literacia.
Na mesma
linha,o raciocínio lógico e dedutivo já não entra na acção educativa, didáctica.
Façam um pequena experiência, tentem estabelecer um diálogo com um aluno
cabo-verdiano, do 12º ano de escolaridade. Ponham uma ou duas questões sobre
uma matéria qualquer inscrita no programa curricular que ele terá dado. Ficarão
espantados com a ignorância que ele ou ela, demonstrará. Enfim, um verdadeiro
desastre científico/técnico e pedagógico, vem percorrendo o nosso ensino. Que
credibilidade?
Infelizmente,
são estes perfis com imensas e graves lacunas, com longas etapas queimadas, que
ingressam no ensino superior. Cá dentro e no estrangeiro. Que fazem a
Licenciatura, o Mestrado e o Doutoramento. São os modernos altos Quadros
cabo-verdianos. Haverá excepção nisso... Sim, claro! Também, mal seria!!
,Daí que
se não admire ninguém da iliteracia que campea por aqui. É basta contactá-los
nos seus postos de trabalho, os ditos altos Quadros. Pequenos nada apenas. Este
mero exemplo. Entro em consultórios médicos em que levo rodadas de «tu».
Esclareço: sou tratada por desconhecido e mais jovem que usa o verbo só na 2ª
pessoa do singular. A ser tratada por “tu” por senhores doutores (assim
os trato.Usando eu as formas verbais na 3ª pessoa do singular. No que faço bem)
e alguns, por pura ignorância linguística e cultural (na nossa cultura há
formas de tratamento distintos que variam entre o formal e o informal, entre
mais velhos e mais jovens) Dizem-me: “vais
comprar este medicamento" (em vez de vai ou mesmo: a senhora vai) . "Olha para a doutora” ( em vez de olhe) que
é ela própria a auto-referir-se, enquanto me faz testes) Enfim, ouço
constrangida, “barbarismos” deste calibre proferidos por gente adulta e
aparentemente, altamente formada, porque especialistas na área da consulta. Mas
que desconhece uma simplicíssima regra gramatical e social...
O pior é que
desconhecem que não devem tratar paciente adulto e que não é da intimidade
deles por “tu”. Eu sei que o não fazem por mal. É por pura ignorância, aqui
empregado no seu sentido mais vernáculo. Isto é: eles e elas, ignoram,
desconhecem as regras gramaticais e sociolinguisticas. Não lhes foi ensinado na
escola em que andaram ?...
Lá está,
a escola! A escola com particular acuidade entre nós, devia ser o complemento,
o parceiro por excelência, mais activo e mais próximo da família. Grande parte
destes adultos, hoje formados, enquanto criança não teve infelizmente qualquer
forma de socialização e de informação sistematizadas ao longo da educação
caseira sobre as regras básicas do saber, do saber estar em sociedade. É nisso
que devia ter entrado a escola próxima da família e transmissora de valores.
Não foi assim. Os maus resultados estão à vista de todos, para a nossa
lamentação.
E
isto produziu a incivilidade que grassa entre nós, o quotidiano do nosso
viver social, com especial acuidade entre a geração mais nova .
III
A questão
da Língua portuguesa na praxis de ensino cabo-verdiano, anda pelas
“ruas da amargura,” de tal modo, que aqui há dias foi muito bem e
assertivamente sintetizada numa intervenção feita por um ouvinte oriundo da
ilha de Santo Antão, num debate radiofónico a propósito de questões
linguísticas entre nós. Disse então o ouvinte esta frase simples e lapidar:
“...As senhoras aí no estúdio que estão a debater a questão, estão
baralhadas, os professores cá fora que as escutam estão baralhados, e os
alunos, como devem calcular, mais baralhados estão ainda...”
O
ouvinte santantonense, radiografou desta forma, a situação que se vive
actualmente quanto à magna questão do ensino da língua portuguesa nas escolas
que foi tornado em bico-de-obra, por estes “estrategas” da língua que
infelizmente possuímos.
Mal se
fala em se ensinar, como deve ser a Língua portuguesa, a língua veicular dos
alunos cabo-verdianos, eis que alguns dos ditos peritos, saltam logo com a
questão do Crioulo. E isso, de forma a misturar por vezes, com algum
despropósito, uma questão que nos seus melhores momentos, foi tratada em campo
próprio, procurando a metodologia mais adequada para uma língua viva, veicular
para a nossa instrução, e em franca expansão; uma língua que é a nossa
segunda língua ou nossa língua segunda e que para uma minoria (em que me incluo)
é igualmente, língua materna.
Uma
questão que devia ser equacionada em paralelo, mas distinta da questão do
crioulo. Só assim, penso eu, se lograriam melhores resultados nos aprendentes .
Resultado,
com todos estes “ruídos”, criaram já um ambiente de tal forma confuso, que
assim não se chega a parte alguma e a questão permanece por resolver. Fico com
a convicção de que os ditos peritos linguísticos se comprazem no meio caótico
que eles próprios engendraram e que lhes serve exactamente, ao que vêem. Isto
é, para as luzes da ribalta que demandam.
Não sou
pessimista, mas estou muito céptica, muito preocupada, relativamente ao ensino
que se vem praticando nas salas de aulas das escolas cabo-verdianas.
Nesta ordem de ideias, criou-se uma espécie de “fantasia linguística” de que os
nossos meninos em início de escolarização, não podem e nem devem ser expostos à
Língua portuguesa. Isto, se não se lhes puser o Crioulo pela frente. Todo o
falante cabo-verdiano é exposto desde tenra idade à língua portuguesa. Uns
mais, outros, bem menos. Deixemo-nos de fantasias.
Abro
um pequeno parêntesis para aqui recordar uma visita que há tempos fiz a um
Jardim Infantil no Concelho do Tarrafal e de a responsável/monitora, me contar
que logo pela manhã, no começo das actividades, ter alguma dificuldade em
conseguir alguma disciplina e silêncio na sala, pois que se instala algum
barulho com as crianças, cada uma a seu jeito, a querer contar umas às
outras o último episódio visto da telenovela que na altura, passava na TV - que
impropriamente viam, me seja permitido também este desabafo –
Ora bem,
tanto quanto sabemos os diálogos das telenovelas que passam na televisão
nacional, são em português Que se saiba não são em crioulo. O que é certo é
que aquelas crianças do interior da ilha de Santiago, entendiam-nos com muito
à-vontade.
E esta?... Afinal, parece que a história da não utilização da Língua portuguesa na escola básica, justificada com o falso e falacioso argumento de que as nossas criancinhas não percebem a língua portuguesa, anda a ser muito mal contada. Aqui chegados, fecho o parêntesis e o texto.
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