Por: Carlos Filipe Gonçalves
Na véspera do dia mundial da rádio 12 de Fevereiro de 2017, Zito Azevedo, uma
referencia na história da radio cabo-verdiana deixou o mundo dos vivos. O famoso
locutor e produtor da Radio Clube Mindelo e Rádio Barlavento calou-se para sempre. A
notícia da sua morte desencadeou nas redes sociais, centenas de comentários evocativos
e lembranças daqueles que o conheceram, ouviram os seus programas radiofónicos, o
viram arbitrar no Estádio da Fontinha em Mindelo ou o ouviram cantar, porque ele um
grande cantor de bela voz, que interpretava fielmente a Mornas da Ilha Brava. No
entanto, no dia seguinte, dia mundial da radio (13 de Fevereiro) de entre a catadupa de
programas evocativos da efeméride, nenhuma referencia ao desaparecimento deste
personagem, um pioneiro da radio que foi contemporâneo de Evandro de Matos, Telmo
Vieira e tantos outros a quem devemos o que a rádio é hoje: um meio de comunicação
com história e tradição! A eles, todos nós os mais antigos, Carlos Gonçalves António
Pedro Rocha, Fernando Carrilho, Santos Nascimento, Carlos Afonso, John Matos entre
outros, devemos o que somos hoje…
Neste dia mundial da rádio, muitos outros pioneiros, para não dizer todos, não foram
lembrados, mas não se trata de esquecimento; trata-se sim de uma cultura que se
instalou entre nós que não valoriza, nem assume o passado, como exemplo para o
presente e projecção do futuro. Para que fique um marco, uma evocação, para os jovens
profissionais de hoje e de amanhã, passo a apresentar uma resenha biográfica deste
grande homem:
Foi um personagem que marcou a rádio em Cabo Verde nos anos 1950/60 até inícios
dos anos 1970. Para além de locutor de bela voz clara e perfeita dicção, era um grande
animador de programas em directo, produtor/apresentador dos célebres programas
Revista Sonora e Onda do Desporto na Radio Barlavento. Também foi um afamado
apresentador de espectáculos, tendo ficado nos anais, a apresentação que ele fez do
primeiro concerto do conjunto Voz de Cabo Verde em Janeiro de 1968 no Éden Park e
claro os concertos realizados nos anos seguintes.
O seu nome completo José Manuel Faria de Azevedo, nasceu em Leiria, Portugal, em 1
de Junho de 1934. Chegou a Cabo Verde em 1943, onde passou a viver com os pais em
Mindelo, Ilha de S. Vicente; recém-chegado prosseguiu os estudos, a partir da 3ª classe
na Escola Camões e depois no Liceu Gil Eanes (Mindelo) do 1º ao 5º e 6º no Liceu
Alexandre Herculano, Porto, Portugal. O pai era proprietário da Ourivesaria Azevedo na
rua do mercado que vai para a Câmara Municipal. Hoje já não existe. Cresceu portanto
na cidade do Mindelo, onde estudou, se fez homem e onde viveu até meados dos anos
1970. Era casado com uma crioula da Brava, os seus filhos nasceram em Cabo Verde.
Zito era pois um “menino de São Cente” na plenitude, que vicissitudes da «revolução»
obrigaram a ir viver em Portugal, terra que o viu nascer, mas onde sofreu até o final da
vida as saudades da Rua de Lisboa ou do Porto Grande que o viram crescer. O seu amor
por S. Cent está vista no seu blog Arrozcatum que manteve desde 2008, onde publicou
até o passado dia 22 de Janeiro o 10.009º post intitulado “A ameaça…” numa referência
aos tempos sombrios que poderão estar para vir! Na maioria destas publicações no
ciberespaço defendeu causas e deu asas ao seu imenso manancial de saber nas mais
diversas áreas! Vale a pena deixar aqui aos leitores o 10.008º Post, intitulado
«Regresso» (leia-se do hospital): “Exactamente trinta dias depois, regressei ao meu
cantinho... Está tudo como devia estar, já o locatário, como se sabe, está bem diferente,
infelizmente, para pior... Mas, como creio já ter escrito algures, posso ser, agora, fisicamente incapacitado mas continuarei a lutar para ser mentalmente activo...” Que força de vontade, que coragem! Quem diria que poucas semanas depois já não estaria entre nós?
Sobre a sua vida profissional é o próprio Zito Azevedo quem a conta: “Fiz Rádio pela primeira vez aos 15 anos, no programa «As Lições do Xiquinho» com Henrique de Albuquerque na Rádio Clube Mindelo (1950) onde vim a ser locutor, produtor, realizador.” Na radio da Rua de Lisboa, produziu e apresentou diversos programas: Histórias da Nossa História, Outras Terras Outras Gentes, Rádio-Cinema). Cheguei a Director de Programação!..” Exclama e passa a descrever a sua vida de cantor: “Em 1969, acompanhado do conjunto de Marino Silva gravei cinco mornas na antiga Emissora Nacional, para o programa Ouvindo as Estrelas. (Tenho cópias melhoradas desta gravação)! Com Os Centauros (conjunto) gravei um disco de mornas, editado pela Casa do Leão e outras aparições em público inclusive acompanhado pela Voz de Cabo Verde.”
Foi na época, produtor de rádio independente com a sua empresa Produções Onda, conforme explica: “realizei e produzi para a Rádio Barlavento “Onda do Desporto” e “Revista Sonora”... De sociedade com Abílio Alves e Abel Pires Ferreira, fiz a produção e realização de uma emissão de rádio independente, (na Radio Barlavento) das 22 às 24 horas – “Encontro às Dez” – Musica, publicidade, animação concursos interactivos... Também era noticiarista (3 vezes por semana)! Orientei as primeiras emissões de Frequência Modulada da Rádio Barlavento...”
Estas declarações, foram por ele enviadas por email em 2012 para eu poder fazer uma curta biografia, para o livro em que estou a trabalhar “Kab Verd Band AZ”. Não satisfeito solicito mais informações e ele responde: “As Produções Onda foi uma produtora de rádio (julgo que a primeira) e era de minha propriedade: eu produzia, realizava, montava e gravava tudo em estúdio que tinha em minha casa, onde era produzida também a publicidade para o Encontro às Dez.” Enviei-lhe entretanto o texto que escrevi para ele ver e corrigir; e respondeu: “Neste caso podem omitir-se os nomes e dizer que se tratava de «uma parceria», em vez de sociedade...Essas duas horas de emissão eram «compradas» à Radio Barlavento e nós cobrávamos pela publicidade emitida durante a emissão...Devo adiantar que dava lucro...!” E terminava assim o email: “Um forte abraço e votos de felicidades para um trabalho de tanto fôlego... Zito”.
Eu não imaginava que um dia, esses dados também serviriam para esta crónica sobre este vulto da radio cabo-verdiana. Obrigado Zito por tudo o que aprendemos contigo, foste um homem simples, quem melhor do que tu, para traçar o teu retrato? “Antigo (82 anos), mas activo, amigo do meu amigo, coração de manteiga, amante do belo, bom garfo, conversador, não fumo, mas adoro um bom Gin&Tonic...!” Que mais poderias ter/ser para que valesse a pena a tua recordação?
Praia, 13 de fevereiro de 2017
Carlos Filipe Gonçalves
Jornalista
3 comentários:
Na tristeza pela desencarnação do nosso Amigo parafraseio o mùsico Xico Buarque(?): - Não sei se sinto "uma tristeza feliz ou uma felicidade triste" ao ver que todos sentimentos pela morte de um daqueles "gente sabe" que um dia chegam à nossa terra, adoptam-na, são adoptados, e passam a ser um de nôs a distribuir a morabeza.
A dinâmica do "Coral Vermelho" se associa ao "Praia de Bote" para um Mindelo Sempre de todos.
Uma homenagem justa à uma pessoa que fez tanto pela radio e a cultura caboverdiana e que se manteve ligada a CV toda a sua vida. Do Zito guardamos boas recordações. Um homem afável e amigo.
José F Lopes
Aprendi a amar cabo Verde pelo amor do Zito.
Justa e oportuna homenagem
Braça
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