Eis um texto de que comungo e que tomo a
liberdade de partilhá-lo - com a devida vénia ao seu autor aqui mencionado e ao
Jornal «Público» - com o amigo leitor do «Coral-Vermelho». Trata-se de um
escrito na linha de interrogações, sobre aqueles que teimam em estragar e adulterar, com
expressões insuficientemente "meta-semantizadas" e com estrangeirismos forçados,
a nossa bela e rica Língua.
António Bagão Félix, in: Jornal
«Público» de 17/02/2017
Hoje, escrevo por defeito (e à condição)
Com
ou sem acordo ortográfico, ouvem-se e lêem-se, com frequência, expressões de
modismos mais ou menos tecnocráticos e de anglicismos forçados.
Sobretudo
no futebol, propaga-se em toda a linha o paupérrimo “à condição”. É
assim
que se diz e escreve em quase todo o lado, quando, por exemplo, uma equipa fica
“líder à condição”. Os entendidos da bola teimam em falar de
classificações antes de concluída uma qualquer jornada, usando aquela deficiente
expressão. Confesso que tenho saudades do tempo em que os jogos se realizavam
nas tardes de domingo, todos à mesma hora. Pelo menos, nessa altura, não havia
classificações “à condição”. Neste contexto, bem se poderá concluir que
esta expressão “à condição” é culpa da televisão, que obrigou a
“jornadas dominicais” estendidas por quatro dias! A expressão “à condição”
exige dizer-se qual é ela. Porque condições há muitas. Se eu disser
simplesmente “estou à condição”, entender-se-á que a minha frase, além
de um indigente modo de expressão (deveria dizer “sob condição”), está
incompleta (qual é, afinal, a condição?). Já se viu o que seria uma pessoa “à
condição” no tribunal? E será que um arguido julgado à revelia o é “à
condição”? No caso da estafada frase em futebolês “primeiro classificado
à condição”, melhor seria dizer “líder provisório”.
Aliás, “à condição” é como estão todas as equipas antes de jogarem: a condição
de jogarem mesmo. Na primeira jornada até todos os competidores serão campeões
“à condição”. Uma outra expressão, agora muito em voga, é a tradução
literal de “by default” (“por defeito”). Muito usada na linguagem
informática, expandiu-se endemicamente no uso e no abuso. Com a ridícula
consequência de se poderem confundir três leituras possíveis: a que resulta
directamente da expressão inglesa (que, verdadeiramente, quer dizer “por
omissão”, “por predefinição”, “por norma”); a que está
associada a verdadeiro significado da palavra “defeito enquanto
imperfeição ou deformidade;
ou
ainda a expressão quantitativa de insuficiência que se opõe a “por excesso”
(por exemplo, “O PIB foi avaliado por defeito”).Com o avanço, de
um modo de todo deslocado, da asserção “por defeito” com o significado
da expressão inglesa, não faltará muito tempo para se dizer, com aparente
naturalidade, por exemplo, “fez mal (ou bem), por defeito”, “sem
carro, foi a pé, por defeito”, “como era o único candidato
à liderança do partido, ganhou por defeito”, “era palhaço, por
defeito”, “passou a ser ateu, por defeito”. Enfim, de defeito em defeito,
até onde chegará o dito defeito? Finalmente, entre os muitos anglicismos
adoptados, há um que medra em escala logarítmica: o que advém do inglês “to
realize”, que quer dizer notar ou aperceber-se. Por simpatia, o verbo “realizar”
tem sido replicado no nosso idioma com o mesmo significado do verbo inglês.
Ora, “realizar” significa, em bom português, efectuar, conseguir, fazer,
concretizar, pôr em prática, dirigir um filme, produzir. Mas há pessoas, sobretudo
nas camadas ditas mais eruditas ou socialmente mais presentes, que, sistematicamente,
usam o verbo no sentido que a palavra tem em inglês (“ele
só
ontem realizou que os impostos subiram”).
Como
diria Júlio Verne, “tudo o que um homem é capaz de imaginar, outro é capaz de
realizar”.
Juntando
estas breves notas, termino com uma charada de mau português: “Nos
próximos
dias, escreverei, à condição, sobre um tema que, por defeito, possa incluir
neste blogue e que os leitores possam realizar.”
Fiz-me
entender?
António
Bagão Félix -«Blogues. publico.pt»
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