Tendo em vista a reorganização administrativa do território,
está em ponderação um projecto de lei sobre regionalização que, tudo o indica,
elege o modelo região-ilha como a única solução aceitável ou credora de
consenso nacional. Fala-se em “socialização do projecto de regionalização”, mas
ignora-se em que medida foi aquele modelo objecto de suficiente estudo
científico, debate e escrutínio público, de modo a poder-se concluir, com
razoável fundamento, que é o mais adequado à nossa realidade.
No meu artigo
intitulado “PONDERAÇÕES SOBRE O MODELO DE REGIÃO ADMINISTRATVA MAIS INDICADO
PARA CABO VERDE” (1), procurei anotar as diferenças mais salientes entre os
dois modelos possíveis − região-ilha e região-ilhas − demonstrando que o
primeiro é reflexo do determinismo geográfico da escola germânica, traduzindo
uma visão estática e condicionada pelo meio físico. De forma simplificada e
minimalista, porventura inadvertida, esse modelo concebe que cada ilha, de per
si, pode constituir-se em unidade regional, independentemente de possuir ou não
condições objectivas e funcionais para realizar o processo de desenvolvimento
que é o escopo da regionalização.
Quem alinha
com essa opção não parece relevar que o determinismo geográfico na organização
do espaço foi posto em causa pelo “possibilismo”, de autoria francesa, cujo
percursor foi Vidal de la Blache. E desvaloriza também que uma concepção ainda
mais inovadora, defendida por Paul Claval, André Cholley e Jacques May, viria a
conferir maior amplitude e flexibilidade ao plano conceptual, destacando o
papel do homem como agente modelador da paisagem, atento aos desafios
crescentes da modernidade, com o desenvolvimento impulsionado pela dinâmica do
processo de industrialização, pela acção directriz dos centros urbanos e pelo incremento
dos transportes e comunicações. Os espaços passaram a interligar-se mais
intimamente e a reduzir distâncias, diluindo-se as fronteiras físicas, mas
sobretudo as psicológicas, num processo de aglutinação, como nunca antes o
fora.
Por isso é que
o modelo região-ilhas representa, em minha opinião, uma visão mais alargada e
expansiva, explorando todas as variáveis que exponenciem a dimensão da unidade
regional. Trata-se de um pensamento mais evoluído e respaldado numa maior
interacção dos factores geográficos, demográficos, sociais, económicos e
culturais. Na verdade, o desenvolvimento hodierno assenta na mobilização e
coordenação das potencialidades locais, dos recursos endógenos e dos
equipamentos e infra-estruturas, fomentando a solidariedade e sinergia entre os
espaços contíguos, em ordem a uma maior potenciação dos factores de um
desenvolvimento integrado.
Antes de mais,
importa frisar que a necessidade desta reforma resultou do confronto com duas
realidades conjugadas, faces da mesma moeda falsificada: a concentração de toda
a estrutura do Estado na ilha de Santiago; o centralismo político. Ambos são
consequência de uma mesma estratégia política que, no plano interno, se coseu
cautelosamente com as linhas da ortodoxia marxista-leninista. Não fora isso, o
mais certo seria não estarmos hoje pendentes de uma reforma que elimine os
malefícios do centralismo e reponha o equilíbrio territorial, mercê do reforço
da democracia participativa, da descentralização do poder, da redução da
burocracia e da distribuição mais equilibrada e mais harmoniosa dos recursos.
De pouco ou nada valerá a regionalização se não atingir esse desiderato.
Ora, o modelo
região-ilha, a ser implementado, pode vir a revelar-se uma espécie de presente
envenenado, caso os cabo-verdianos das ilhas da periferia não acordem a tempo
de reconhecer a impossibilidade de ilhas despojadas de massa crítica, como é o
caso da maioria, constituírem colectividades regionais credíveis e capazes de
operar o desenvolvimento que almejam. Se não quebrarem as grades do seu
isolacionismo, se não valorizarem as vantagens de uma criteriosa agregação de
forças endógenas vizinhas para a constituição de um modelo regional mais
abrangente, as ilhas da periferia irão, inconscientemente, passar um atestado
de longevidade ao centralismo político. Reivindicações descabidas, como essa da
construção de um aeroporto internacional no Porto Novo/S. Antão, praticamente
colado ao de S. Vicente, mostram, entre outras exteriorizações subliminares,
que o modelo região-ilha irá sucumbir por autofagia, mesmo que à partida lhe
assegurem umas muletas para dar os primeiros passos.
Mais do que
formatar unidades regionais e conferir-lhes um estatuto jurídico, a
regionalização é sobretudo uma via para promover transformações que valorizem o
território e alavanquem o progresso. Temos de inventariar soluções justas para
corrigir desequilíbrios regionais com causas estruturais remotas e que não se
resolveram com as políticas centralistas e concentracionárias. A metodologia do
planeamento tem de olhar para a realidade concreta de cada ilha, antes de
conceber a delimitação articulada do território. Independentemente da extensão
de cada parcela insular, importa quantificar valores estatísticos como a
população, o PIB, a infra-estruturação económica, os índices de escolaridade,
de formação profissional, de inovação e criatividade local, as potencialidades
nos diversos sectores da economia, os transportes e as comunicações, etc. A
análise e o estudo terão de privilegiar um olhar objectivo sobre as escalas
comparativas dos diversos dados em presença, em ordem a um olhar prospectivo
sobre a relação entre as unidades regionais arquitectadas e a sua real
capacidade para lograr os objectivos de desenvolvimento.
Por não
acreditar nas virtudes do modelo região-ilha é que defendo, como sempre o fiz,
que a solução mais aconselhável, por mais consistente e até mais económica, é o
agrupamento de ilhas afins. Várias hipóteses de associação são possíveis, mas
há uma que desde logo parece óbvia e natural. É uma Região Noroeste, integrando
Santo
Antão, São
Vicente, Santa Luzia e São Nicolau. Com o mesmo critério se conceberá uma
Região Leste (Sal, Boavista e Maio), uma Região de Santiago e uma Região
Sudoeste (Fogo e Brava).
A Região
Noroeste tem condições singulares para se afirmar no contexto nacional, por
dotada de potencialidades naturais e ter o seu polo mais forte na segunda ilha
mais importante do país. Do ponto de vista histórico, cultural e sentimental,
diria que as três ilhas são irmãs naturais. As suas populações são semelhantes
na morfologia étnica, no imaginário e na idiossincrasia, e até mesmo na
expressão linguística. Complementando-se, têm condições para potenciar um
desenvolvimento integral e comum, reabrindo o caminho para o progresso.
Contudo, há vozes
dissonantes ou simplesmente reticentes acerca desta associação, invocando o
risco de São Vicente vir a ser uma réplica barlavense de uma Santiago/ Praia
centralizadora e concentracionária, pela probabilidade de descurar um
desenvolvimento igualitário, focalizando-se mais nos seus próprios problemas.
Rejeito essa visão negativista e suspeitosa e a própria história comprova a
tese contrária, se a ideia passa por admitir que o objectivo desta
colectividade regional será exclusivamente a ilha de S. Vicente. Não há razão
para tal receio. Poucos são os naturais de S. Vicente que não tenham uma
relação parental com naturais das duas ilhas mais próximas. Na cidade do
Mindelo sempre se notabilizaram ilustres intelectuais e figuras públicas que
não necessitaram de nascer em S. Vicente para exercer o seu protagonismo
cívico, cultural, científico ou político. Seria ocioso citar nomes. A liderança
da Região Noroeste pode ser exercida por naturais de qualquer das ilhas, porque
elas são a casa comum dos “noroestinos”. Existe efectivamente uma contiguidade
histórica e bio-psíquica entre estas ilhas, e isso tem de funcionar como
antídoto para os casos isolados de introspecção divisionista ou de nativismo ou
egotismo exacerbados. São casos espúrios que não podem toldar a clarividência.
Por
condicionamento de espaço, este artigo será concluído proximamente.
(1) Publicado
neste jornal em Abril do corrente.
Tomar, Junho
de 2017
Adriano
Miranda Lima
1 comentários:
Um artigo corajoso em contracorrente e contraciclo com o pensamento e as práticas políticas actuais. A necessidade da criação de uma região noroeste para melhor potenciar as sinergias em prol de um desenvolvimento mais sustentável é uma evidência. É claro que os interesses centralistas baseados em Santiago nunca deixarão isto acontecer. Tanto mais que acabamos de saber que o governo já lançou a primeira pedra do Campus Universitário beneficiando exclusivamente a ilha de Santiago e vai avançar em 2020 com a construção do aeroporto em S. Antão em Porto Novo um assunto bastante polémico, já que enfraquece a posição do Aeroporto de S Pedro situado em S. Vicente, que estará a escassos minutos de voo, para além de acarretar mais dívidas. Recorde-s que a dívida porPIB de CV é um dos maiores do Mundo
Enviar um comentário